D. Amélia e D. Carlos
Fala-se hoje em descrédito da política, de corrupção, de vale-tudo. E é verdade. Mas basta ler Fialho ou Eça para perceber que aquilo que hoje se passa não é o mesmo que eles fustigavam.
Falta sobretudo a plataforma europeia, com a distância a que deixava o nosso contumaz atraso e a segurança que aos “estrangeirados” dava a certeza que o país não merecia outra coisa que o chicote do ridículo e a desanca sem dó nem piedade.
Esse sentimento de superioridade dos europeus permitia-lhes uma espécie de racismo histórico que não se detinha nos limites do bom senso e se deleitava em causticar os próprios traços físicos dos visados. Por exemplo, Fialho de Almeida, depois de apresentar a Casa de Bragança como uma sucessão de monstros e de degenerados, diz de D. Carlos, o novo rei: “Com uma cabeleira de esparto numa cara de pêssego, e de olhos de faiança semelhantes aos cacos de um bispote, antes me deste, senhor, a ideia do cocheiro inglês da senhora duquesa de Palmela, do que a alta e deslumbradora visão da autoridade real(...)”
As actuais catilinárias não podem desconhecer que a Europa, hoje, não é assim tão diferente, e de que, desde os quiosques, à droga e aos macdonalds, um mesmo modelo vai absorvendo o genuíno. A mesma descrença na política e a mesma corrupção grassam além fronteiras, e é só porque gostamos de ser os nossos próprios cangalheiros que insistimos em ver peculiaridades nacionais.
O papel do cronista foi, entretanto, usurpado pela televisão (a mesma janela que não pode esconder-nos as semelhanças e as faz proliferar). Ninguém é demolido na televisão. Ou antes, nada é sagrado na televisão.
O maior ridículo é um espectáculo entre outros. Bem avisada andava Margaret Tachter em se dizer fã da série “Yes, Prime Minister”.
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