Manuel de Oliveira
costumava dizer que o cinema é teatro filmado, e pode sê-lo, desde que
aceitemos esse formalismo. Isso não é mais espúrio do que a fusão do teatro e
da música na ópera.
Em “Pina”, a
magnífica homenagem de Wim Wenders à coreógrafa alemã, é a palavra que
desaparece do teatro para dar lugar à dança e à expressão corporal.
Wenders não explora a
estranha analogia com o cinema mudo, mas
o dispositivo das cadeiras em “Café Müller” faz lembrar os gags geométricos de Buster Keaton. O que podemos ver da “Sagração
da Primavera” é um movimento arrebatador à volta dum pano vermelho que às vezes
é fogo, sangue ou sémen ou, simplesmente um vestido de mulher.
O método de Pina
Bausch induz o actor-bailarino a seguir a inspiração do corpo a partir do
espaço e do ritmo. Dirá a uma das figurantes do “Tanztheater”: “Tens que continuar a procurar.” Nenhuma
ideia, parece, a partir de fora. A coreógrafa é assim uma espécie de vigilante
do transe dos outros. E é curioso como uma ideia “descabelada”, como
levantar-se do puxando os próprios cabelos pode desencadear a sequência de teatro-dança,
fornecer-lhe o núcleo essencial e uma gramática de ocasião.
O corpo é
omnipresente, mas, como na visão platónica, é muitas vezes o fardo que se tem
de carregar, como naquele bailarino “desarticulado” que se move arrastando o
tronco e um membro de cada vez. Simular a paraplegia para revelar a harmonia da
dança é um feliz paradoxo. O corpo magríssimo e o rosto devastado de Pina
Bausch são também como o apoio do pé alado do deus que dança.
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