quarta-feira, 25 de maio de 2011

PINA



Manuel de Oliveira costumava dizer que o cinema é teatro filmado, e pode sê-lo, desde que aceitemos esse formalismo. Isso não é mais espúrio do que a fusão do teatro e da música na ópera.

Em “Pina”, a magnífica homenagem de Wim Wenders à coreógrafa alemã, é a palavra que desaparece do teatro para dar lugar à dança e à expressão corporal.

Wenders não explora a estranha analogia com  o cinema mudo, mas o dispositivo das cadeiras em “Café Müller” faz lembrar os gags geométricos de Buster Keaton. O que podemos ver da “Sagração da Primavera” é um movimento arrebatador à volta dum pano vermelho que às vezes é fogo, sangue ou sémen ou, simplesmente um vestido de mulher.

O método de Pina Bausch induz o actor-bailarino a seguir a inspiração do corpo a partir do espaço e do ritmo. Dirá a uma das figurantes do “Tanztheater”: “Tens que continuar a procurar.” Nenhuma ideia, parece, a partir de fora. A coreógrafa é assim uma espécie de vigilante do transe dos outros. E é curioso como uma ideia “descabelada”, como levantar-se do puxando os próprios cabelos pode desencadear a sequência de teatro-dança, fornecer-lhe o núcleo essencial e uma gramática de ocasião.

O corpo é omnipresente, mas, como na visão platónica, é muitas vezes o fardo que se tem de carregar, como naquele bailarino “desarticulado” que se move arrastando o tronco e um membro de cada vez. Simular a paraplegia para revelar a harmonia da dança é um feliz paradoxo. O corpo magríssimo e o rosto devastado de Pina Bausch são também como o apoio do pé alado do deus que dança.  

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