sexta-feira, 27 de maio de 2011

AS AVES





“Euelpides – Ele (*) não é um cidadão e gostaria de o ser a qualquer custo. Nós, pelo contrário, nascidos duma tribo e duma família honradas e vivendo no meio dos nossos companheiros-cidadãos, fugimos do nosso país para tão longe quanto pudemos. Não é que o odiemos: nós reconhecemos que é grande e rico e, igualmente, que toda a gente tem o direito de se arruinar pagando impostos; mas os grilos só cantam entre as figueiras por um ou dois meses, enquanto que os Atenienses levam toda a sua vida entoando o louvor das sentenças dos seus tribunais. Foi por isso que partimos com um cesto, uma panela e alguns galhos de mirto e viemos procurar uma terra tranquila onde possamos ficar.”

“As Aves” (Aristófanes)



Os dois exilados por vontade própria servem-se de um gaio e de um corvo (como se fossem um moderno GPS) para encontrar Tereus, “o pássaro que não nasceu de nenhum” para os ajudar a criar uma nova cidade (daí os acessórios sacrificiais).

A proverbial tagarelice dos Atenienses levou-os àquela aventura. A paixão pelos debates do tribunal revela-nos a razão argumentativa na sua infância. A retórica e a dialéctica começaram, sem dúvida, por ser um jogo social e a descoberta dum novo poder.

Homens como Euelpides e Pisthetaerus, em vez disso, preferem o sossego. Queixam-se dos impostos e duma opinião pública demasiado volátil e importuna que os obriga, permanentemente a fazer escolhas. Ter que ter uma opinião é uma outra espécie de imposto. Quanto mais fácil não é, como hoje, ter os comentadores da televisão, em vez de nos envolvermos em discussões…

Até chamamos “ruído” à discussão, para que a opinião nos chegue canalizada e à prova da sofística.

(*) Refere-se ao dramaturgo  Sacas (ou Acestor), um não-grego.

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