"O estranho caso de Angélica" (2010-Manoel de Oliveira) |
Um homem de 102 anos
que ainda faz filmes, ele que ainda conheceu o cinema mudo, tem de falar do seu
mundo, um mundo que ganha algo duma transcendência poética só pelo facto de
existir cada vez menos.
O estranho caso de
Isaac, fotógrafo, que descobre no sorriso duma morta o amor ideal, aquele que
convive com as imagens do trabalho duro das enxadas para escândalo da dona da
pensão, pertence ao universo camiliano, ao dos amores de perdição, como a
própria paisagem no-lo recorda.
Issac não se
apaixonou pela morta por causa daquele olhar e daquele sorriso, que só ele viu.
Apaixona-se pela vida das imagens que podem passar duma bela adormecida para o
anjo que nos chama. A vida em que tudo o que acontece é um símbolo que remete
para outra coisa, como a morte do canário parece a continuação do sonho de
Isaac.
A conversa à mesa
sobre matéria e anti-matéria, no seu tom prosaico, é a legenda dos pensamentos
do homem que quer evadir-se para o imaginário. Esse contraponto, como o das
cenas do trabalho na vinha (o filme acaba ao som do canto dos homens e das suas
cavadelas) não é só pedido pelo ritmo da obra, são outras imagens do mundo
donde é possível extrair o sorriso transcendental.
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