terça-feira, 31 de maio de 2011

UMA DESENRAIZADA:YELLA



Em boa hora, o “Público” distribuiu em DVD “Yella” (2007), do alemão Christian Petzold. É o filme do mal-estar capitalista.

No princípio, há uma ruptura. Yella (Nina Hoss) abandona o marido, Ben (Hinnerk Schöneman), e Wittenburge (a cidade de Singer, o judeu das “máquinas de costura”, destruída pelos nazis). Essa itinerância, de leste para oeste, faz lembrar os primeiros filmes de Wim Wenders (“Falso Movimento”, por exemplo). Ela foge duma paisagem marcada pelo insucesso económico. Christian Petzold disse que na Alemanha existem as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial e as do novo capitalismo. Ou, digo eu, a sua obliteração, que vai dar ao mesmo (é isso que mostram as cidades reconstruídas, com um zelo burocrático).

Esta migração de Yella é o símbolo de uma outra, social, depois da reunificação. É a primeira vez que nos aproximamos dessa experiência concreta, embora sob a forma duma neurose. A frieza com que a jovem rompeu com todos os laços afectivos (à excepção do pai que pode compreender a sua “liberdade”), para procurar uma carreira na Alemanha afluente, corresponde à solidão voluntária em que o herói se encerra para vencer.

Ao encontrar Philipp (Devid Striesow), um "capitalista de risco" (venture capitalist) que admite fazer o seu jogo sujo, Yella pode exercer, como sua assistente, o seu potencial de predadora nos negócios.

Alguns comentaristas lastimam os últimos minutos do filme que impedem uma leitura mais convencional. De facto, há um acidente no princípio, quando Ben, desesperado, faz o carro galgar a ponte sobre o Elba onde ambos se precipitam. A história do filme parte do princípio que Yella e Ben se salvam, seguindo-se depois o itinerário duma Yella desenraizada que “vendeu a alma” ao espírito do capitalismo, enquanto Ben, cuja empresa faliu, tenta reconquistá-la arrepiando caminho (voltando ao seu antigo ofício de electricista).

No desfecho, porém, ficamos a saber que ambos, de facto, se afogaram, o que transforma em pura fantasmagoria a aventura de Yella. Como interpretar esse final que rompe com toda a sintaxe do filme? A história não pode ser um flashback (ou, mais precisamente, um flashforward), porque Yella está morta. A não ser que – mas temos de pôr de lado a dimensão do tempo tal como o conhecemos – o momento da morte antecipe o futuro vertiginoso. E, graças a esse artifício, nos seja dada a ver a espécie de maldição que impende sobre a vida de Yella.

Sabemos como Petzold admira John Carpenter: será a história uma história de vampirização?

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