Em boa hora, o “Público”
distribuiu em DVD “Yella” (2007), do alemão Christian Petzold. É o filme do
mal-estar capitalista.
No princípio, há uma
ruptura. Yella (Nina Hoss) abandona o marido, Ben (Hinnerk Schöneman), e Wittenburge
(a cidade de Singer, o judeu das “máquinas de costura”, destruída pelos nazis).
Essa itinerância, de leste para oeste, faz lembrar os primeiros filmes de Wim
Wenders (“Falso Movimento”, por
exemplo). Ela foge duma paisagem marcada pelo insucesso económico. Christian
Petzold disse que na Alemanha existem as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial e
as do novo capitalismo. Ou, digo eu, a sua obliteração, que vai dar ao mesmo (é
isso que mostram as cidades reconstruídas, com um zelo burocrático).
Esta migração de
Yella é o símbolo de uma outra, social, depois da reunificação. É a primeira
vez que nos aproximamos dessa experiência concreta, embora sob a forma duma neurose.
A frieza com que a jovem rompeu com todos os laços afectivos (à excepção do pai
que pode compreender a sua “liberdade”), para procurar uma carreira na Alemanha
afluente, corresponde à solidão voluntária em que o herói se encerra para
vencer.
Ao encontrar Philipp (Devid Striesow), um
"capitalista de risco" (venture
capitalist) que admite fazer o seu jogo sujo, Yella pode
exercer, como sua assistente, o seu potencial de predadora nos negócios.
Alguns comentaristas
lastimam os últimos minutos do filme que impedem uma leitura mais convencional.
De facto, há um acidente no princípio, quando Ben, desesperado, faz o carro
galgar a ponte sobre o Elba onde ambos se precipitam. A história do filme parte
do princípio que Yella e Ben se salvam, seguindo-se depois o itinerário duma
Yella desenraizada que “vendeu a alma” ao espírito do capitalismo, enquanto Ben,
cuja empresa faliu, tenta reconquistá-la arrepiando caminho (voltando ao seu
antigo ofício de electricista).
No desfecho, porém, ficamos
a saber que ambos, de facto, se afogaram, o que transforma em pura
fantasmagoria a aventura de Yella. Como interpretar esse final que rompe com toda
a sintaxe do filme? A história não pode ser um flashback
(ou, mais precisamente, um flashforward),
porque Yella está morta. A não ser que – mas temos de pôr de lado a dimensão do
tempo tal como o conhecemos – o momento da morte antecipe o futuro vertiginoso.
E, graças a esse artifício, nos seja dada a ver a espécie de maldição que
impende sobre a vida de Yella.
Sabemos como Petzold
admira John Carpenter: será a história uma história de vampirização?
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