quarta-feira, 6 de abril de 2011

A INFAME





“Com esta falta de bons princípios dá-se origem a que em certos países nenhum homem, e muito menos um letrado, pode dizer a verdade ao soberano e pode fazer grandes coisas ao seu serviço e do público. Os homens doutos encontravam-se de novo dentro de dois extremos perigosos: por um lado, há alguma fortaleza, por outro, o Santo Ofício. Se alguém projecta qualquer coisa para o bem público e para reformar as desordens, morre na fortaleza. Se indica até onde se pode estender a liberdade do príncipe e a liberdade do pensar, reduz-se à Inquisição, quer dizer àquele tribunal em que quatro padres que não sabem os princípios nem os limites da fé a julgam, e quatro frades que não conhecem a verdadeira teologia juntam artigos ao Credo. Pelo que daí se segue que, em semelhantes países, nunca se vêem florescer as ciências, nem a política, nem o comércio, nem as outras coisas que são disso consequência.”

(Carta de 17/7/1765 de Luís António Verney)




Apesar da diatribe contra a Inquisição e a influência dos Jesuítas junto do poder régio, Verney não foi ao ponto de propor a sua extinção e limitou-se a pedir a reforma dessa espécie de tribunal. Nisso ilustra o pensamento anterior à Revolução Francesa.

A Inquisição fazia parte duma poderosa rede de interesses com uma influente vida social irradiando da Cúria Romana e do Santo Ofício. “Do ponto de vista desta correspondência, um mundo sem o Santo Ofício é tão impensável quanto um mundo sem ordens militares e sem Catolicismo” (Ana Lúcia Curado e Manuel Curado). Não é que faltasse a Verney audácia para formular uma proposta radical sobre tão infame tribunal, o que lhe faltava era o “paradigma revolucionário”. Mesmo assim, a sua reforma não se podia comparar à de Marcelo Caetano, ao crismar a PIDE com o nome de DGS…

Mas é evidente que uma coisa é conceber a mudança radical e outra é torná-la efectiva, sobretudo, dentro dos seus pressupostos.

Poucos anos depois da Carta de Verney (e sem haver aqui, claro, uma relação de causa e efeito), o tribunal da Inquisição caía sob a alçada do Rei, o que significa, pelo menos, que a intervenção do nosso “estrangeirado” já era parte da mudança.

Pelo seu lado, a ideia da revolução tornou-se uma metafísica como qualquer outra, com os seus teólogos, concílios e cismas. Porque se é necessário concebermos o ideal, não o é menos saber traduzi-lo no tempo dos homens. Para certas pessoas, a Revolução é uma espécie de álgebra política que os dispensa de atender aos factos. A fórmula tomou o lugar do problema.  

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