“Com
esta falta de bons princípios dá-se origem a que em certos países nenhum homem,
e muito menos um letrado, pode dizer a verdade ao soberano e pode fazer grandes
coisas ao seu serviço e do público. Os homens doutos encontravam-se de novo
dentro de dois extremos perigosos: por um lado, há alguma fortaleza, por outro,
o Santo Ofício. Se alguém projecta qualquer coisa para o bem público e para
reformar as desordens, morre na fortaleza. Se indica até onde se pode estender
a liberdade do príncipe e a liberdade do pensar, reduz-se à Inquisição, quer
dizer àquele tribunal em que quatro padres que não sabem os princípios nem os
limites da fé a julgam, e quatro frades que não conhecem a verdadeira teologia
juntam artigos ao Credo. Pelo que daí se segue que, em semelhantes países, nunca
se vêem florescer as ciências, nem a política, nem o comércio, nem as outras
coisas que são disso consequência.”
(Carta de
17/7/1765 de Luís António Verney)
Apesar da diatribe
contra a Inquisição e a influência dos Jesuítas junto do poder régio, Verney
não foi ao ponto de propor a sua extinção e limitou-se a pedir a reforma dessa
espécie de tribunal. Nisso ilustra o pensamento anterior à Revolução Francesa.
A Inquisição fazia
parte duma poderosa rede de interesses com uma influente vida social irradiando
da Cúria Romana e do Santo Ofício. “Do
ponto de vista desta correspondência, um mundo sem o Santo Ofício é tão
impensável quanto um mundo sem ordens militares e sem Catolicismo” (Ana
Lúcia Curado e Manuel Curado). Não é que faltasse a Verney audácia para
formular uma proposta radical sobre tão infame tribunal, o que lhe faltava era o
“paradigma revolucionário”. Mesmo assim, a sua reforma não se podia comparar à
de Marcelo Caetano, ao crismar a PIDE com o nome de DGS…
Mas é evidente que
uma coisa é conceber a mudança radical e outra é torná-la efectiva, sobretudo,
dentro dos seus pressupostos.
Poucos anos depois da
Carta de Verney (e sem haver aqui, claro, uma relação de causa e efeito), o
tribunal da Inquisição caía sob a alçada do Rei, o que significa, pelo menos,
que a intervenção do nosso “estrangeirado” já era parte da mudança.
Pelo seu lado, a
ideia da revolução tornou-se uma metafísica como qualquer outra, com os seus
teólogos, concílios e cismas. Porque se é necessário concebermos o ideal, não o
é menos saber traduzi-lo no tempo dos homens. Para certas pessoas, a Revolução
é uma espécie de álgebra política que os dispensa de atender aos factos. A
fórmula tomou o lugar do problema.
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