Por que é que
aquelas imagens nos chocam? Não chocaram, ao que parece, o grupo de polícias
que submeteu o Sr. Gouveia ( não um número, como seria noutro tempo e noutro
lugar) a um ritual de castigo e humilhação, como resposta ao desafio do
prisioneiro que se recusou a limpar a porcaria da sua própria cela.
Podia dizer-se que
aqui o problema é a desproporção entre a força e o aparato (com os uniformes e
elmos saídos duma qualquer Guerra das Estrelas) da equipa encarregada de
"persuadir" o preso a mudar de ideias, a chamá-lo à razão, e o
patético homem nu que vemos sempre de costas, com aquela marca do "aneu
logou" que é a tatuagem.
E este seria mais
um caso anónimo de abuso do poder, em que a força, qualquer que ela seja,
resvala tão naturalmente, não fosse o vídeo divulgado pelo "Público",
catapultar uma cadeia em Paços de Ferreira, desconhecida da maior parte dos
portugueses, para o ignominioso estatuto duma Abu Grhaib ou de outra
Guantánamo.
Entramos numa
época em que, graças, sobretudo, à tecnologia, são os cidadãos que agora
dispōem de uma espécie de panóptico (a célebre invenção de Bentham, no século
XIX) sobre o poder na sua forma pública.
Mas o espaço
privado não pode deixar de sofrer o ricochete deste novo dispositivo (vítima da
mesma injunção de todo o poder: a de ser usado só porque existe), com a sua
instantânea ubiquidade e o seu "voyeurismo" que não é menos terrível
do que o do público dos autos-da-fé nos tempos da Inquisição.
0 comentários:
Enviar um comentário