quinta-feira, 17 de março de 2011

AS MASSAS INSTANTÂNEAS




“A política é a arte de impedir as pessoas de meterem o nariz em coisas que lhes dizem realmente respeito.”

(Paul Valéry)


Às vezes não chega a arte. Quando, por exemplo, a novidade apanha desprevenidos os que têm por missão fazer a política, como aconteceu no dia 12 deste mês, com milhares e milhares a quererem “meter o nariz”. Essas pessoas descobriram que tinham o poder de se juntarem e de se apresentarem como uma força, como um rio temporariamente desviado do seu curso para encher uma barragem simbólica.

É por isso muito pedagógico observar como os partidos reagiram ao fenómeno da “multidão instantânea” que deixa os grandes organizadores de massas com água na boca. Mas enquanto que estes podem negociar com o poder a ameaça dos que querem “meter o nariz”, os instantâneos ( e para já espontâneos) só podem dispersar de mãos vazias e a “compreensão” de todos, inclusive dos que governam.

Parece, de facto, que a “arte política” se justifica por um paradoxo: é que o poder é “sintético” e, nas camadas superiores, solitário. E não só as ditaduras ou as oligarquias – e que é a democracia, fora do período eleitoral, senão uma espécie de oligarquia simbolicamente controlada? Aliás, a relação entre o acto de votar e aquilo que cada um faria, a cada momento, se pudesse governar, é do género da que existe entre uma fotografia do céu e a noite estrelada se pudéssemos dar uma volta pelo espaço. O poder do “todos” é um símbolo e não pode ser outra coisa. Porque todos não rima com governação.

O problema é que a percepção do “homo democraticus”, se ainda não se tornou cínico, é a de que o poder deve ser distribuído por todos, como a água e a electricidade. Daí que a política se esforce por “gerir” essa ilusão que consome a maior parte do tempo dos políticos. Porque os únicos que realmente conseguem “meter o nariz” são os que tratam o poder como coisa sua porque já ocupam os lugares.

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