Charles-Maurice de Talleyrand |
“C’est plus qu’un crime, c’est
une faute!”
(Talleyrand,
a propósito da execução do Duque d’Enghien)
No salão de Ana
Pavlovna, a “falta” de Napoleão é tema de conversa logo no início de “Guerra e
Paz”. O aparente mau-gosto de Talleyrand tem origem na sua concepção do Estado.
É graças a ela que está pronto a compreender um crime, se necessário por razões
políticas, mas não a falta de inteligência no caminho da ambição. Claro que
isto tem a marca de Maquiavel.
Como diz Cassirer,
este teórico da política há muito deixou de ser uma das encarnações do Diabo,
sendo reconhecido, já desde os finais do século XVIII, o seu “realismo” e a sua
honestidade intelectual. É um erro, sem dúvida, julgar um Estado como uma
pessoa. E os que querem “cavalgar” os seus tentáculos têm que conhecer a
natureza do monstro.
Isto serve de
introdução a um comentário sobre a crise em que balouçamos e sobre alguns dos
seus protagonistas. É pensando naquela doutrina “realista” do Estado que me
sinto tentado a considerar o nosso Sócrates como um político maquiavélico,
capaz, por exemplo, como sugerem alguns “analistas”, de precipitar a crise,
desrespeitando um formalismo essencial (
na apresentação do PEC IV), para provocar eleições no momento mais favorável
para o partido com ele à frente.
Mas talvez o “crime”,
que neste caso é o agravamento das dificuldades dos portugueses seja, antes do
mais, uma “falta”, no sentido de Talleyrand. É que a sua ambição (legítima,
porque é melhor para todos que a política seja movida por uma paixão política,
como é a ambição do poder, do que pelo o
desejo de encher os bolsos ou o oportunismo das clientelas) expôs demasiado a
sua personalidade, a ponto de quase ninguém querer ver uma solução com ele,
pese embora o facto dos que vierem poderem não ter a mesma “fibra”.
Como no teatro, sai o político forte (mas
polémico) e entra, pela direita baixa, o “low
profile” adequado aos tempos de “apagada e vil tristeza”. O maquiavelismo
de Sócrates era ainda um sinal de vida. Espera-nos a cinza soprada do Norte.
Marcelo Rebelo de
Sousa é o porta-voz desse “bom-senso” anti-socrático. Mas como disseram ao
Cínico, vê-se bem, por detrás da “modéstia” da sua análise, a vaidade de transformar
uma oportunidade perdida (a sua proposta de aprovação do PEC, seguida de
eleições) em “necessidade”. Afinal não eram os sacrifícios pedidos que estavam
em causa, mas a antecipação de eleições. Mas talvez seja essa a “falta” do “challenger” da oposição.
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