quarta-feira, 30 de março de 2011

MAQUIAVELISMOS

Charles-Maurice de Talleyrand


“C’est plus qu’un crime, c’est une faute!”

(Talleyrand, a propósito da execução do Duque d’Enghien)



No salão de Ana Pavlovna, a “falta” de Napoleão é tema de conversa logo no início de “Guerra e Paz”. O aparente mau-gosto de Talleyrand tem origem na sua concepção do Estado. É graças a ela que está pronto a compreender um crime, se necessário por razões políticas, mas não a falta de inteligência no caminho da ambição. Claro que isto tem a marca de Maquiavel.

Como diz Cassirer, este teórico da política há muito deixou de ser uma das encarnações do Diabo, sendo reconhecido, já desde os finais do século XVIII, o seu “realismo” e a sua honestidade intelectual. É um erro, sem dúvida, julgar um Estado como uma pessoa. E os que querem “cavalgar” os seus tentáculos têm que conhecer a natureza do monstro.

Isto serve de introdução a um comentário sobre a crise em que balouçamos e sobre alguns dos seus protagonistas. É pensando naquela doutrina “realista” do Estado que me sinto tentado a considerar o nosso Sócrates como um político maquiavélico, capaz, por exemplo, como sugerem alguns “analistas”, de precipitar a crise, desrespeitando um  formalismo essencial ( na apresentação do PEC IV), para provocar eleições no momento mais favorável para o  partido com ele à frente.

Mas talvez o “crime”, que neste caso é o agravamento das dificuldades dos portugueses seja, antes do mais, uma “falta”, no sentido de Talleyrand. É que a sua ambição (legítima, porque é melhor para todos que a política seja movida por uma paixão política, como é a  ambição do poder, do que pelo o desejo de encher os bolsos ou o oportunismo das clientelas) expôs demasiado a sua personalidade, a ponto de quase ninguém querer ver uma solução com ele, pese embora o facto dos que vierem poderem não ter a mesma “fibra”.

Como  no teatro, sai o político forte (mas polémico) e entra, pela direita baixa, o “low profile” adequado aos tempos de “apagada e vil tristeza”. O maquiavelismo de Sócrates era ainda um sinal de vida. Espera-nos a cinza soprada do Norte.

Marcelo Rebelo de Sousa é o porta-voz desse “bom-senso” anti-socrático. Mas como disseram ao Cínico, vê-se bem, por detrás da “modéstia” da sua análise, a vaidade de transformar uma oportunidade perdida (a sua proposta de aprovação do PEC, seguida de eleições) em “necessidade”. Afinal não eram os sacrifícios pedidos que estavam em causa, mas a antecipação de eleições. Mas talvez seja essa a “falta” do “challenger” da oposição.

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