Michael Haneke filmou
“O Castelo” de Kafka (1997) de forma exemplar e terminou-o no mesmo ponto em
que o escritor interrompeu a sua narrativa.
O agrimensor K entrou
no labirinto mas, apesar de todos os seus esforços, nem sequer conseguiu chegar
à fala com o mais modesto dos
funcionários do Conde. Não alcançou mais
do que abordar um dos secretários de um tal Klamm.
O castelo é, em
altura, o centro vazio de que fala Barthes (L’Empire
des Signes):”A cidade de que falo
(Tóquio) apresenta este paradoxo precioso: ela de facto possui um centro mas
este centro está vazio. Toda a cidade gira em volta dum lugar ao mesmo tempo
interdito e indiferente, residência mascarada pela verdura, interdita por
fossos de água, habitada por um imperador que nunca se vê, quer dizer, à letra,
por não se sabe quem.”
O poder é invisível
como uma disciplina interior na cabeça dos aldeãos. Que espécie de audiência
procurava K.? Esses todo-poderosos burocratas descem à aldeia, embuçados, só para exercer sobre as mulheres
(as criadas da estalagem) um “direito de pernada” que só K., como forasteiro,
discute.
K. ainda não logrou
exercer a função para que foi contratado. De resto, o posto de agrimensor não
existe sequer, e o seu contrato, como explica o alcaide, é fruto dum atraso de
anos da resposta negativa à questão de saber se era preciso de todo um
agrimensor. Tudo isto nos é estranhamente familiar.
O arbitrário não é
pensado, a denegação de justiça não é pensada. Porque tudo funciona “demasiado
bem” (se parasse era outra coisa), mas não no sentido que era preciso e para
que a “máquina” foi criada. Ninguém foi tão longe na descrição do absurdo.
E que fim se poderia esperar
para este romance? A morte, como no “Processo”, obra incompleta também ela? Um
final dar-nos-ia a ilusão do sentido. É mais verdadeiro assim, precisamente,
porque não faz sentido.
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