sábado, 12 de março de 2011

MORTAIS E ETERNOS

Lições de Kant



“Decerto não é difícil de perceber que o ‘Eu penso’ dará lugar a uma ilusão dialéctica, uma vez que nunca poderemos pensar a nossa própria morte, e dado que nos reencontramos sempre iguais a nós mesmos. Neste sentido, sentimo-nos eternos, como dizia Spinoza. Eternos e não imortais, eis o ponto.”

“Lettres sur Kant”  (Alain)



Há uma idade para isso, para nos sentirmos eternos. Se não podemos pensar a nossa própria morte e os sinais da decadência ainda não são visíveis, quando, pelo contrário, pisamos a terra como se a nossa força devesse durar como o sol e a lua, esse sentimento é o mais natural.

É um paradoxo aparente que, ao mesmo tempo, saibamos que a morte não vai esquecer-se de nós (nem com a partida de xadrez imaginada por Bergman, no “Sétimo Selo”). Porque há uma diferença entre saber, pelo que se passa ou passou com os outros, e sentir que a vida em nós enfraquece.

Alain evoca a famosa lição de Jules Lagneau, seu mestre: “não se pode dizer que Deus existe, porque existir é depender das outras coisas; e isso equivale a dizer que Deus não é uma coisa; que o espírito não é uma coisa”.

É assim que se deve entender a eternidade. Somos mortais mas, num certo sentido, não podemos morrer. E, segundo a Analítica de Kant, “o espírito subsiste, todavia sem jamais aparecer. Tal é o ser quase inapreensível do nómeno e o fundamento dum novo dogmatismo.” (ibidem)

Volto ao princípio. Há um tempo para nos sentirmos eternos e um tempo para sentirmos que, pelo contrário, a nossa existência é demasiado frágil, razão pela qual a verdade de que (também) somos eternos tem muito pouca força.

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