domingo, 1 de junho de 2008

A FRONTEIRA DO SONO



"Quando tu vens, Insónia, sacudir a minha carne e o meu orgulho, tu que transformas a besta juvenil e moderas os seus instintos, atiças os seus sonhos, tu que, numa única noite, dispensas mais saber que os dias concluídos no repouso, e, às pálpebras doloridas, te revelas como um acontecimento mais importante do que as doenças sem nome ou os desastres do tempo!"

"Précis de décomposition" (E.M. Cioran)


Talvez ninguém veja a "antecâmara da morte" no sono saudável. Mas, pensando bem, o sono é uma coisa estranhíssima, que justifica toda uma genealogia ficcional na literatura e nas artes.

Proust, como é sabido, começa a sua incursão pelos círculos da memória falando das várias maneiras como adormecia. Como se tivesse que apreender aí o segredo de se comutar com o passado.

O cinema, então, deixou-nos, com "Invasion of the Body Snatchers" (1956-Don Siegel), uma alegoria do rapto do adormecido pelas potências infernais e a sua metamorfose numa planta ameaçadora.

Nesta cultura de performance técnica, tantas horas subtraídas à produção ou ao lazer são um escândalo gritante, que alguns atletas da insónia ou hipnocépticos desafiam, desdobrando-se numa actividade que raia o prodígio.

Não nos podemos conformar com esse enorme desperdício de recursos (e esse mercado) que representam as horas de sono.

Por isso, não me espanta que a próxima "fronteira", depois do espaço exterior, seja precisamente esse lado da noite.

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