"O Romance do Genji"
"Desta feita teve de reconhecer que ele era um homem culto, elegante e afável; e quando observou, para si mesmo, que podia ser agradável imaginá-lo sob as feições de uma mulher, a conversa tomou um rumo familiar. Por sua vez, Hyobukyo, ao ver o Genji mais amável e atencioso que de costume, achou-o muito encantador e sem desconfiar que, de certo modo, ele era o seu genro, procurou também imaginá-lo, por gozo, na pele de uma mulher."
"O Romance do Genji" (Murasaki Shikibu)
Esta cena é estranha para nós em mais de um sentido e, ao lê-la, caímos de imediato sob a influência do código homossexual.
O romance, um dos mais antigos que se conhecem, foi escrito entre 1005 e 1014, por uma aristocrata da corte imperial japonesa. Nunca a poesia se tornou assim numa prática social, nem a virtude se confundiu tanto com o estilo do traço e a caligrafia como na era Heian.
"Os rostos permaneciam escondidos: quando uma dama tinha de aparecer em público, dissimulava a cara atrás do seu leque. Evidentemente, o corpo desnudo da mulher não desperta qualquer interesse. Não se trata de mera indiferença, mas de uma autêntica aversão. A mulher desejável é a mulher vestida." (notas de Carlos de Oliveira)
Na nossa cultura, o strip tease pressupõe a mulher vestida, mas aqui o vestido não remete para a nudez, mas para os outros vestidos enquanto signos.
A esta luz, o que nos parecia absurdo num filme como "Mr. Butterfly", de David Cronenberg, faz todo o sentido.
E o jogo a que se entregam os dois homens na passagem citada não sai do domínio da arte da conversação que integra aqui, como sedução, o modo condicional.
Um pouco como a aura que a fama ou uma intriga benevolente atribuem aos interlocutores com o mesmo efeito de sedução.
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