Robert Musil (1880/1942)
"Ele tratava cada auditor conforme o seu grau de sensibilidade, que conhecia bem. Não propunha nunca qualquer receita, embora conhecesse muitas. Era tão categórico como um juiz pronunciando o seu veredicto, mas sabia com um simples gesto excluir o seu interlocutor desse juízo. Mais do que de cuidado, era de ternura que seria preciso falar na ocorrência, e a mim espanta-me até ao dia de hoje essa mistura de ternura e de rigor inflexível."
O dr. Sonne é uma figura da Viena dos anos trinta que Canetti e um amigo elegeram como exemplo duma pessoa bondosa, depois de quase desesperarem para encontrar uma.
Era um homem que não dizia mais do que era preciso e que nunca se referia a problemas pessoais, os seus ou os dos outros. Podia discorrer, com igual pertinência e clareza, sobre qualquer assunto, pronunciando-se, no seu círculo, como um oráculo. Canetti comparava a sua conversação, e é o melhor elogio que lhe podia fazer, ao que então Robert Musil escrevia.
Como nunca falava de si não se podia saber que a sua pose um pouco rígida era consequência duma queda de cavalo que lhe afectara a coluna vertebral nem que, na juventude, havia sido um notável poeta da língua neo-hebraica. Evidentemente que o facto de ter distribuído a fortuna que herdara era também de quase todos desconhecido.
A sorte de encontrar um tal homem, que não dava nas vistas e permanecia silencioso num grupo mais alargado, foi de facto miraculosa.
Porque "O Homem sem Qualidades" está hoje ao alcance de qualquer leitor motivado para ler as suas quase duas mil páginas, mas um homem como o dr. Sonne (Sol) brilhou apenas para um cenáculo e extinguiu-se sem deixar resto, que eu saiba, fora das memórias de Elias Canetti.
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