quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

A DESODETIZAÇÃO DE ODETE


"Odete" (2005-João Pedro Rodrigues)

Depois de "O fantasma", João Pedro Rodrigues volta a surpreender-nos com um objecto obssessional. Não é um deus do lixo que, desta vez, assombra a noite da cidade, vestido de Fantomas.

Aqui, sobre o tema do amor homossexual que, na sua intransigência faz de "Odete" um filme quase étnico (pink is beautiful), em que metade do género ( et pour cause...) só existe no estereótipo da mãe e na longilínea personagem (e como que deserotizada pelo supermercado) que dá o nome ao filme e se deixa vampirizar pelo morto, há um outro, muito mais interessante, que é o da culpa daquele que dá a morte, através duma estúpida chamada pelo telemóvel.

O filme está cheio de bons momentos de cinema e, sendo um filme anti-buñueliano, faz uma saborosa citação na cena da sucção do anel do defunto.

A intensidade sombria do jogo de cena do actor principal (Nuno Gil), em cujo corpo uma câmara próxima do tacto se demora, torna convincente esta figura duma paradoxal virilidade.

Mas tudo isto podia ser endossado por uma apreciação politicamente correcta. E o mérito ou demérito desta obra está-nos velado por uma conjuntura que tem o fulgor maléfico da queda dos antigos deuses.

E não seria incrível e sumamente ridícula esta história de paixão e possessão se fosse protagonizada por um homem e uma mulher nas suas relações naturais?

Mas é precisamente a natureza que se discute.

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