segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

FALSA CONCLUSÃO


"Da vida das marionetas" (1980-Ingmar Bergman)

Já relevei aqui o parentesco entre a psicanálise e o policial. Há uma intriga a resolver em ambos, e em ambos, culpados a encontrar. No caso da teoria de Freud, podíamos falar dos suspeitos do costume:

"Mas acontecia dum modo geral que não se podia dizer nada numa conversação desse tempo que não se tornasse logo insípido pela primeira motivação ao alcance da mão. O facto de essa motivação ser sempre a mesma, o indizível aborrecimento que daí provinha, a esterilidade que disso resultava, tudo isso parecia não perturbar muita gente."

("Histoire d'une vie", Elias Canetti)

Quando não é um Hitchcock, que tanto se diverte com uma história que só nos resta compartilhar desse prazer, mas alguém habituado aos mais altos voos do cinema, como Bergman, a pegar num caso de psicanálise, sentimos como se tivesse havido uma concessão à facilidade.

Os problemas de Peter em "Da vida das marionetas" que assassina uma prostituta com o nome da sua mulher, aparentemente, é um caso clássico de impotência e de homossexualidade recalcada, pela influência duma mãe dominadora e duma mulher que a substituiu nesse papel.

A conclusão do psicanalista resolve o mistério do crime, dentro dos cânones do género.

Por isso, enquanto que uma obra como "Persona" (que podia ter igualmente uma solução declarativa) não perdeu nada da sua complexidade, aqui temos um fecho que dispensa outras interpretações, e que aproxima este filme do divertimento (embora com um suspense denegado).

Porém, esse veredicto não nos satisfaz, por causa do modo como a solução é preparada e pelo veículo dela. De facto, a ambiguidade moral do psicanalista ( que é um dos amantes de Katarina) propõe-nos, talvez, uma falsa conclusão.

Donde, o metafísico volta a assombrar o sexual e "Da vida das marionetas" continua, na verdade, "O silêncio".

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