Amália Rodrigues (1920/1999)
Acordou-me o som magoado duma estranha forma de vida.
Não sei o que é, nem de onde vem essa dor que não é no corpo que dói. Esse "desejo absurdo de sofrer".
Fatalismo, muito. Origens agarenas, do nómada que já há muito deixou o deserto para poder ainda sonhar com os jardins do Alhambra.
Calça como uma luva ao nosso gosto de mal-dizer que é ainda um conformismo e uma indolência.
O fado parece só viver dos nossos defeitos e com isso pretende ser a alma toda.
Conheço quem se confronte com esta encarnação da música, como um ateu com a religião. Também está na ordem natural das coisas.
Mas se essa é uma raiz, então a incapacidade de viver é a nossa utopia. E fazemos da sua refutação um modo de vida.
E caio sobre esta passagem em "Histoire d'une vie" (Canetti) em que o dr. Sonne se refere a Freud e ao instinto de morte:
"Mesmo supondo que fosse verdade, nunca deveríamos permitir-nos dizer isso. Mas não é verdade. Seria demasiado simples se fosse verdade."
Não podemos, nem devemos dizê-lo. Mas podemos cantá-lo. Como se.
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