terça-feira, 10 de janeiro de 2006

O BODE EXPIATÓRIO



"Sim, meu capitão, a virtude! Eu não sei ainda o que é. Veja bem, nós os pobres, não temos virtude, é a natureza que nos puxa, mas se eu fosse um senhor com um chapéu, um relógio, uma casaca, se tivesse aprendido a falar bem, então gostaria de ter virtude. Mas sou um pobre diabo."

"Woyzeck" (Georg Büchner)

A fervente admiração de Canetti pelo "Woyzeck" de Büchner levou-me a conhecer a peça da melhor maneira: pelo entusiasmo.

A música de Alban Berg bastava-me, mas só me podia dar o sentimento e a angústia.

Nestas páginas, está a imagem da miséria humana, aquilo a que os Gregos chamavam de Necessidade.

O soldado Woyzeck é como um prego vivo em cuja cabeça bate toda a força do social. É essa força, concentrada na ponta do punhal, que golpeia Maria até à morte.

O assassino histórico que inspirou o autor não beneficiou de nenhuma indulgência ou compreensão. A sua responsabilidade foi "cientificamente" atestada por um homem com um significativo nome : Clarus.

Mas o que ressalta deste texto fulgurante é a "máquina" dum desequilíbrio trágico, em que o orgulho e a prosápia de personagens como o médico e o capitão só são possíveis pela completa humilhação dum pobre energúmeno que acreditava que os mações andavam a escavar por debaixo da cidade, como as toupeiras do mal.

Büchner não acabou a peça.

Pertence ao empregado do tribunal a última deixa que diz: "Um bom crime, um verdadeiro crime, um belo crime, tão belo quanto se podia desejar, já há muito tempo que não tínhamos um assim."

Belo, realmente, porque se encontrou o perfeito bode expiatório.

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