quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

DESTINOS

 
Poster-Mistérios-de-Lisboa
 


Raul Ruiz mostrou-nos, em "Os Mistérios de Lisboa", como pode ser interessante um universo inactual e quase inabitável para um espírito moderno, como o de Camilo. E consegue-o fora da escrita e do estilo sumptuoso do escritor, com uma arte que alia a gravidade do conteúdo à exuberância formal (pensamos no famoso travelling de "Vertigo", na cena do baile, ou no leito sobrevoado de "American Beauty", sem sentirmos que sejam exercícios gratuitos. As invenções são imparáveis como a do deslisamento dos futuros amantes, quando Álvaro encontra Silvina).
 
Devido a uma certa tradição teatral, só recentemente o "natural" chegou à fala dos nossos actores de cinema (coisa que ainda se vê em Oliveira). Este chileno cosmopolita consegue a proeza de expurgar toda a declamação da linguagem dos actores. O cinema pode dar-nos tanto o sussurro como a palavra gritada. Não precisa das técnicas teatrais para se fazer ouvir.
 
Como em quase todos os romances de Camilo, neste filme, há vidas desencontradas e revelações extraordinárias. O monge que guarda a caveira da mulher amada é afinal o pai do padre que, disfarçado de cigano, salvou a vida de Pedro, o narrador.
 
O anacronismo destas histórias esconde, no entanto, a questão quase metafísica do homem que não sabe quem é por nada saber dos seus ascendentes. Camilo responde a esta questão com a ideia duma herança amaldiçoada e com a repetição do destino.

1 comentários:

Anónimo disse...

E com uma imensa ironia.

Maria Helena