"'Ora este sujeito!', pareciam dizer uns aos outros. 'No fundo, não sofre de nada. Mal tem o direito de estar aqui. Nem sequer tem cavernas...' Tal era o espírito que reinava no sanatório; era aristocrático à sua maneira e Hans Castorp inclinava-se diante dele, por um inato respeito à lei e à ordem, fosse qual fosse a sua natureza.»
"A Montanha Mágica" (Thomas Mann)
Neste exemplo, vemos como não é necessária qualquer vantagem material, ou de ordem física ou intelectual, para se ter um sentimento de superioridade.
Aqui a "aristocracia" é um produto da organização do sanatório de Davos, tal como é descrito no romance, e, infalivelmente, esse sentimento se desvaneceria no indivíduo isolado, que é o que acontece, por exemplo, num hospital com as relações de doente para doente. Quanto ao pessoal e aos médicos, nem mesmo nessa Davos mítica, seria concebível que o doente concebesse outra coisa que uma espécie de temor sagrado.
Esta aristocracia da doença só funcionava em relação aos que não estavam mesmo mal e, por assim dizer, já condenados. Embora se possa objectar que o sentimento da morte não é o mais propício a segregar ideias de desigualdade, não é absurda a ideia de que os próprios cuidados que esse estado inspira devem, até certo ponto, ser "merecidos" com a iminência da morte.
Transposto para a política, isto parece-se muito com o direito que "as duras provas" e o heroísmo passado subjectivamente conferem a alguns homens que chegam ao poder para imporem uma espécie de resgate do seu passado. E esse é um escolho inevitável para uma democracia sem parto natural.
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