quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ALMAS MORTAS




"Ele tinha uma propriedade independente, de cerca de mil almas, para calcular segundo o velho estilo. A sua esplêndida herdade ficava nos arredores da nossa pequena cidade e confinava os terrenos do nosso famoso mosteiro, com o qual Pyotr Alexandrovitch começou um interminável processo judicial, quase logo que chegou à sua propriedade, e que se relacionava com os direitos de pescar no rio ou de cortar lenha nos bosques, não sei exactamente o quê."
 "Os irmãos Karamazov" 
 (Dostoiewski)


Medir a propriedade rural pelo número de servos (almas) era a regra, na Rússia imperial, antes da reforma de 1861 que aboliu a servidão. Os proprietários pagavam, nessa base, os seus impostos, mas devido à desactualização do censo, eram tributados muitas vezes por servos que já tinham morrido. Gogol imaginou uma personagem, Chichikov, que se propôs desembaraçar esses proprietários duma base tributária fictícia, em troca dum valor simbólico. Mas o que parecia ser do interesse dos proprietários encontrou dificuldades inesperadas. Esse é o tema do romance "Almas mortas". Chichikov não era  benemérito. A sua ideia era enriquecer graças ao crédito que lhe grangeariam as almas que tinha comprado aqui e ali. O boato de que eram almas mortas esvaziou a sua quimera.

A história é muito adequada a ilustrar o que se passou com a crise do "sub-prime" e os esquemas Ponzi que nos levaram à presente situação.

O problema com o crédito é que precisa que a ilusão se mantenha ao abrigo das "bocas do mundo". 

Podemos aplicar ao crédito o que diz Musil sobre o "grande homem integral"  e a beleza: é que  nem um nem a outra suportam o menor desmentido, "tal como não se pode furar um balão sem dano".


0 comentários: