S. Jerónimo (Caravaggio) |
"Quando
o Novo Testamento foi traduzido do Grego para o Latim por S. Jerónimo, 'pistis'
converteu-se em 'fides' ('lealdade'). Fides não tem forma verbal, por isso,
para 'pisteuo' Jerónimo usou o verbo latino 'credo', uma palavra derivada de
'cor do', 'Dou o meu coração'. Ele não pensou em empregar 'opinor' ('Defendo
uma opinião')."
"The case
for God" (Karen Armstrong)
A tradução de S. Jerónimo teria,
assim, dado origem a uma tradição, que acabou por prevalecer, pela qual a
adesão a uma prática "no" sagrado, o ritual, foi substituída por uma
prática implicando uma prova para o intelecto, a crença em que os símbolos são
"verdadeiros", que as coisas se passaram como as descreve o Velho e o
Novo Testamento. Em relação ao primeiro Livro, essa atitude entrou em flagrante
contradição com a Física (cuja "verdade" fala por si própria). Quanto
aos Evangelhos, o caso é outro, embora em muitas passagens se tenha de abdicar do que a experiência nos ensina.
É estranho que a palavra 'pistis', que quer dizer confiança,
compromisso, lealdade, tenha podido evitar o conflito com a razão. É estranho,
sem dúvida, para nós que não conseguimos separar a prática do pensamento. Mas
devemos ter em conta que o pensamento religioso e o sagrado, eram, naquele
tempo, tão "naturais" e
absorvidos pela cultura que aquele conflito só faz sentido para um espírito
aprioristicamente crítico, como é o nosso. Foi preciso que o espaço profano se
alargasse para se tornar sensível a menoridade da razão no mundo antigo.
Resumindo, podemos encontrar, no nosso
tempo, exemplos de "lealdade" e de "confiança intelectual",
desde que o espírito crítico respeite uma "zona cega" que é o que
protege essas pessoas da auto-crítica. Claro que, aí, falar em auto-crítica é
um puro exorcismo.
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