domingo, 3 de julho de 2011

A TRADUÇÃO DE S. JERÓNIMO

S. Jerónimo (Caravaggio)


"Quando o Novo Testamento foi traduzido do Grego para o Latim por S. Jerónimo, 'pistis' converteu-se em 'fides' ('lealdade'). Fides não tem forma verbal, por isso, para 'pisteuo' Jerónimo usou o verbo latino 'credo', uma palavra derivada de 'cor do', 'Dou o meu coração'. Ele não pensou em empregar 'opinor' ('Defendo uma opinião')."

"The case for God" (Karen Armstrong)



A tradução de S. Jerónimo teria, assim, dado origem a uma tradição, que acabou por prevalecer, pela qual a adesão a uma prática "no" sagrado, o ritual, foi substituída por uma prática implicando uma prova para o intelecto, a crença em que os símbolos são "verdadeiros", que as coisas se passaram como as descreve o Velho e o Novo Testamento. Em relação ao primeiro Livro, essa atitude entrou em flagrante contradição com a Física (cuja "verdade" fala por si própria). Quanto aos Evangelhos, o caso é outro, embora em muitas passagens se tenha de  abdicar do que a experiência nos ensina.

É estranho que a palavra 'pistis', que quer dizer confiança, compromisso, lealdade, tenha podido evitar o conflito com a razão. É estranho, sem dúvida, para nós que não conseguimos separar a prática do pensamento. Mas devemos ter em conta que o pensamento religioso e o sagrado, eram, naquele tempo,  tão "naturais" e absorvidos pela cultura que aquele conflito só faz sentido para um espírito aprioristicamente crítico, como é o nosso. Foi preciso que o espaço profano se alargasse para se tornar sensível a menoridade da razão no mundo antigo.

Resumindo, podemos encontrar, no nosso tempo, exemplos de "lealdade" e de "confiança intelectual", desde que o espírito crítico respeite uma "zona cega" que é o que protege essas pessoas da auto-crítica. Claro que, aí, falar em auto-crítica é um puro exorcismo.

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