segunda-feira, 11 de julho de 2011

NINGUÉM O VIU ENTRAR




“Ninguém viu entrar o grande Príamo. Deteve-se, cingiu os joelhos de Aquiles, beijou-lhe as mãos, terríveis, assassinas, que tantos filhos lhe tinham massacrado.”

“A Ilíada” (segundo tradução de Simone Weil)



Os grandes fazem-se anunciar antes de entrar. A majestade não pode passar desapercebida, não só por causa do seu prestígio, mas porque o estilo do homem se adapta ao que se espera dele. A coroa e o manto impedem os movimentos bruscos, como dizia Alain, e essa ideia, no seu extremo, aproximaria o majestático da imobilidade. Era essa imobilidade que, segundo os antropólogos, era imposta ao chefe, por certos povos.

E vem-nos logo à memória “Kagemusha”, o grande filme de Akira Kurosawa, em que o chefe do clã, que já não é ele, continua a produzir o símbolo da unidade e do poder à vista de todos os guerreiros.

Por isso, o início do verso de Homero é tão eloquente na sua miraculosa simplicidade: “Ninguém viu entrar o grande Príamo.” Esse homem estava, de facto, reduzido à qualidade do grave que cai sobre a terra, despido de todos os adornos e de todos os poderes. Era um suplicante. E que pedia ele? A vida do seu filho Heitor? Não, apenas o resgate do seu cadáver, porque o homem não desaparece com o último sopro.

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