A loba de Roma |
"Os
Romanos e os Hebreus julgaram-se, uns e outros, livres da comum miséria humana,
os primeiros enquanto nação escolhida pelo destino para ser a dona do mundo, os
segundos pelo favor do seu Deus e na exacta medida em que lhe obedeciam. Os
Romanos desprezavam os estrangeiros, os inimigos, os vencidos, os seus
vassalos, os seus escravos; por isso não tiveram nem epopeias nem tragédias.
Substituíam as tragédias por jogos de gladiadores. Os Hebreus viam na
infelicidade o sinal do pecado e consequentemente um motivo legítimo de
desprezo (...)"
"A
Ilíada, ou o poema da Força" (Simone Weil)
Simone tem um parti pris contra os Romanos ( e contra o
seu próprio povo, sendo judia) que, por exemplo, Hanna Arendt não tem. Ninguém valorizou
tanto a tradição, a ponto de contar o tempo a partir da fundação da cidade,
como esses mesmos que substituíram a grande poesia pelos jogos do Coliseu, como
ela diz.
Mas o desprezo de tudo o que não fosse
romano, parece-me justo assacar aos conquistadores do mundo. Podemos encontrar,
mais perto de nós, esse mesmo sentimento nos Ingleses que dominaram a Índia até
1942. O capitão Merrick, na série da BBC "The jewel in the crown", é um bom exemplo.
O que é menos reconhecido são os
efeitos desse desprezo nos que estão em posição dominante. É pouco dizer que
recebem aquilo que fizeram ou pensaram em mesquinhez e estreiteza da alma (a
estratégia de sobrevivência do subjugado passa pela camuflagem e por se fazer
passar pela imagem imposta pelo dominador). A Índia não podia, pois, ser
conhecida, mesmo pelos ingleses mais apaixonados pela sua "paisagem"
natural e humana. A táctica de Gandhi teve essa "décalage" em grande conta.
Quanto aos Romanos do século XX, isto
é, os Americanos, só podemos admirar a diversidade e a complexidade da sua teia
de dominação que, apesar das aparências, desde há muito tempo remeteu a
canhoneira e a ocupação sem disfarce para o museu da história. A cultura é
muito mais eficaz e a sua influência nem sequer pode ser controlada, o que permitirá
a boa consciência ao imperialismo mais lúcido.
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