quarta-feira, 20 de maio de 2009

AS CHAVES DE CASA


"Algumas vezes ele saía muito tarde e regressava pouco antes de amanhecer, o que significava que ela tinha que esperar por ele. Monsieur Proust nunca levava as chaves de casa."

André Aciman (Introdução a "Monsieur Proust" de Céleste Albaret)


Este doente do magnum opus, protegido dos ruídos no seu quarto da rua Hamelin forrado a cortiça, caverna que os efeitos especiais da fumigação para a asma tornavam no ambiente vulcânico da criação, nunca pôde suportar dormir sozinho.

No regresso a casa, depois duma sortida nocturna (e aqui o vício que poderia motivar o voo do morcego tem o mesmo valor da verificação maníaca dum pormenor que irá dar à obra a consistência do cristal), quando voltava precisava de ser imediatamente acolhido pelo "círculo mágico" de que fala Céleste que, para ele, não era outra coisa do que a benevolência maternal. A criada que o esperava era o símbolo mais próximo desse gesto querido.

Por isso, não podia levar as chaves.

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