"War and Peace"(1955, King Vidor) |
"Cada
visitante procedia à cerimónia de saudar esta velha tia que ninguém conhecia,
que ninguém queria conhecer, e da qual ninguém queria saber; Ana Pavlovna
observava este cerimonial com um interesse grave e solene, aprovando em
silêncio. A tia falava a cada uma dessas pessoas com as mesmas palavras acerca
da saúde delas e da sua própria, e da de Sua Majestade, que 'graças a Deus
estava hoje melhor'. E cada visitante, embora a cortesia o impedisse de mostrar
impaciência, deixava a velha com um sentimento de alívio por ter cumprido um
dever vexante e não voltava a ela durante toda a noite."
"Guerra e
Paz" (Leão Tolstoi)
A democracia é hoje quase tão real
como a presença da velha tia no salão de Ana Pavlovna. Todos lhe prestam
homenagem, mas ninguém, no fundo, parece querer saber dela.
É certo que a velha senhora (ainda que
só quarentona, entre nós) repete sempre as mesmas frases sobre o poder do povo
e a majestade do voto, mas cumprida a obrigação, todos a esquecem.
A começar pelos próceres da União
Europeia que parecem já dar de barato que entrámos numa nova fase em que a
democracia conta tanto como aquela personagem de salão. Veja-se o que escreveu
António Guerreiro na última edição do Expresso:
"(...)
a Europa está actualmente a promover um modelo técnico de governamentalidade
(acabam de entrar em acção os "governos técnicos" de Roma e Atenas)
que abole a política e a ideia de representação e mediação em que esta se
baseia. (...) Esta forma de de governamentalidade, em que a referência não é a
cidade (a polis), mas a empresa começou a ser designada por
pós-democracia."
Nem mais. O prefixo serve aqui para
desqualificar a democracia, como coisa irremissivelmente antiquada.
Salazar podia dizer que o povo não
estava preparado. Agora, parece que é a própria democracia que está
ultrapassada.
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