terça-feira, 22 de novembro de 2011

A TIA DE ANA PAVLOVNA


"War and Peace"(1955, King Vidor)



"Cada visitante procedia à cerimónia de saudar esta velha tia que ninguém conhecia, que ninguém queria conhecer, e da qual ninguém queria saber; Ana Pavlovna observava este cerimonial com um interesse grave e solene, aprovando em silêncio. A tia falava a cada uma dessas pessoas com as mesmas palavras acerca da saúde delas e da sua própria, e da de Sua Majestade, que 'graças a Deus estava hoje melhor'. E cada visitante, embora a cortesia o impedisse de mostrar impaciência, deixava a velha com um sentimento de alívio por ter cumprido um dever vexante e não voltava a ela durante toda a noite."


"Guerra e Paz" (Leão Tolstoi)



A democracia é hoje quase tão real como a presença da velha tia no salão de Ana Pavlovna. Todos lhe prestam homenagem, mas ninguém, no fundo, parece querer saber dela.

É certo que a velha senhora (ainda que só quarentona, entre nós) repete sempre as mesmas frases sobre o poder do povo e a majestade do voto, mas cumprida a obrigação, todos a esquecem.

A começar pelos próceres da União Europeia que parecem já dar de barato que entrámos numa nova fase em que a democracia conta tanto como aquela personagem de salão. Veja-se o que escreveu António Guerreiro na última edição do Expresso:

"(...) a Europa está actualmente a promover um modelo técnico de governamentalidade (acabam de entrar em acção os "governos técnicos" de Roma e Atenas) que abole a política e a ideia de representação e mediação em que esta se baseia. (...) Esta forma de de governamentalidade, em que a referência não é a cidade (a polis), mas a empresa começou a ser designada por pós-democracia."

Nem mais. O prefixo serve aqui para desqualificar a democracia, como coisa irremissivelmente antiquada.

Salazar podia dizer que o povo não estava preparado. Agora, parece que é a própria democracia que está ultrapassada.

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