"Fradique
recolhera na região do Zambeze notas muito flagrantes, muito vivas, sobre os
cultos nativos ― que são divinizações dos chefes mortos, tornados pela morte
Mulungus, Espíritos dispensadores das coisas boas e más, com residência divina
nas cubatas e nas colinas onde tiveram a sua residência carnal; e, comparando
os cerimoniais e os fins destes cultos selvagens da África com os primitivos
cerimoniais litúrgicos dos Aryas em Septa-Sandou, Fradique concluía (como
mostra numa carta desse tempo a Guerra Junqueiro) que na religião o que há de
real, essencial, necessário e eterno é o Cerimonial e a Liturgia ― e o que há
de artificial, de suplementar, de dispensável, de transitório é a Teologia e a
Moral."
"A
correspondência de Fradique Mendes" (Eça de Queirós)
Moldar o interior pelo exterior é uma
ideia de Comte, o pai da sociologia. Não é evidente que os nossos gestos e a
posição do nosso corpo tenham tanta influência em nós que nos levem, pouco a
pouco, a mudar de ideias e, às vezes, de "igreja".
Mas basta observar o mais comum dos
nossos gestos, o de cumprimentar de mão, para percebermos que não podemos
cumprimentar direito alguém com quem temos uma zanga, e que o esforço de
cumprimentar essa pessoa seria o primeiro passo para pôr fim às hostilidades.
Ou a forma como a cerimónia da missa católica literalmente "veste" a
assembleia, conformando-a uma única disciplina, propícia ao espírito comum.
É, pois, uma extraordinária mudança a
da transformação da missa em espectáculo, que é o que acontece quando é vista,
por exemplo, na televisão ( sendo verdade que para muitos é a única forma de
"participarem").
O chamado não-praticante, não é,
assim, um verdadeiro cristão porque falte aos seus deveres religiosos, mas
porque não pode, de modo nenhum, pensar como aqueles que são
"moldados" pela liturgia.
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