domingo, 27 de novembro de 2011

A SUPERFÍCIE DAS COISAS



“Tive, pois, de suprimir o saber para encontrar lugar para a crença, e o dogmatismo da metafísica, ou seja, o preconceito de nela se progredir, sem crítica da razão pura, é a verdadeira fonte de toda a moralidade e é sempre muito dogmática...”

(Kant, citado por Jacques Taminiaux)


Não é o caso de toda a especialização ter o preconceito de que pode progredir sem "crítica da razão pura"? O facto é que o progresso, medido, pela sua eficiência e pela sua crescente complexidade, existe diante dos nossos olhos, sem termos de nos pôr a questão do seu valor epistemológico.

Num certo sentido, a ciência explora ainda a superfície das coisas (estando-lhe vedado o nómeno kantiano), mas como diz Musil, é aí que têm lugar as verdadeiras revoluções: "pode medir-se por isso o imenso poder criador da superfície, comparado com a obstinação estéril do cérebro."

Tal como Kant, temos de abdicar do saber para dar à moral, com a crença, uma fonte estável. Mas o progresso imparável do conhecimento já é independente da "crítica da razão pura", ou, no melhor dos casos, é apenas "criticado" pela experiência.

Assim, o "saber" aproximou-se enormemente da metafísica (a ciência é a melhor prova de si mesma), o que lhe permite prescindir de toda a crítica filosófica.

0 comentários: