"Nenhuma
das grandes conquistas sociais da Frente Popular (férias pagas, semana de
trabalho de quarenta horas, etc.) estava inscrita no programa (muito moderado)
da coligação que saiu vitoriosa em Abril-Maio de 1936; na realidade, foi o
movimento grevista de Junho que as impôs ao patronato francês e à direita."
("As
esquerdas, a crise e a transformação do mundo - Onde está a esquerda?"
por Serge
Halimi)
No caso da presente "crise geral
do capitalismo", em que nenhuma solução parece estar ao alcance da
ideologia económica dominante, é-se tentado a virar a doutrina do
"choque", inspirada em Milton Friedman e na chamada "escola de
Chicago", num sentido contrário ao dos seus defensores. A doutrina do
choque não é nova e podemos dizer que tivemos no nosso Marquês de Pombal um dos
seus expoentes. Trata-se, no fundo, de aproveitar a oportunidade criada por um
desastre natural ou social para impor medidas que estavam "na
gaveta". O que torna a moderna doutrina do choque particularmente
maquiavélica é o facto de poder ser provocada artificialmente, como aconteceu
no Chile nos anos 70.
O terramoto de Lisboa deu essa
oportunidade a Pombal e ele agarrou-a bem, colocando o país no passo da Europa.
O seu poder não lhe veio da monarquia absoluta, que se revelou impotente para
realizar as reformas, mas da grande calamidade pública, aliada ao triunfo, em
alguns espíritos, das ideias modernas.
Como mostrou Naomi Klein ("The
shock doctrine"), a agenda liberal foi posta em prática em Nova Orleães
graças ao Katrina, tendo o Estado enviesado o seu apoio nesse sentido.
Também a crise do euro é uma
oportunidade para inflectir políticas que levaram directamente ao desastre. Mas
não se vendo, na área do poder, quem possa sair do seu pesadelo dogmático e
escapar à poderosa teia dos interesses destrutivos da economia, devia ser
possível olhar noutra direcção e impor, pela força da opinião pública, senão
pela "desobediência civil", a agenda dos povos.
Infelizmente, ao contrário dos adeptos
da doutrina do choque, que têm pelo menos ideias nefastas, não há ideias
alternativas, na gaveta, que já não tenham bolor. Para além disso, o que temos são
remendos do sistema. Tal situação levar-nos-á a inventar e a correr riscos
incontroláveis.
Mas foi assim durante a Frente Popular
em França e o seu programa por escrever...
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