"Todos
os Steinbrokens, de pais a filhos (como ele dissera a Afonso) eram bons
barítonos e isso trouxera à família não poucos proveitos sociais. Pela voz
cativara seu pai o velho rei Rudolfo III, que o fizera chefe das coudelarias, e
o tinha noites inteiras nos seus quartos, ao piano, cantando salmos luteranos,
corais escolares, sagas da Dalecarlia - enquanto o taciturno monarca cachimbava
e bebia, até que, saturado de emoção
religiosa, saturado de cerveja preta, tombava do sofá, soluçando e
babando-se."
"Os
Maias" (Eça de Queirós)
A mistura do álcool com a religião no
rei melómano (suponho que inventado por Eça) cheira ao vitríolo da
"casa". Afastemos as nuvens da cerveja preta e o que fica não é digno
do nome de religião.
Mas a sátira não tem só como objecto o
que já era naquela altura uma caricatura
dos alemães, com o seu gosto pela bebida do malte e pelos enchidos de porco.
O autor do"Crime do Padre
Amaro" deve ser, evidentemente,
salvo de qualquer acusação de atacar a religião, pois o o seu alvo, tanto na
história de Amaro como na anedota do rei Rudolfo, é simplesmente a hipocrisia.
Mas como isso nos leva longe! Quando
queremos purificar o sentimento "verdadeiramente" religioso e
expurgar toda a embriaguez, temos de percorrer o catálogo não só dos álcoois,
como o das euforias colectivas, e, mais difícil ainda, o dos nossos motivos
secretos ( secretos até para nós mesmos).
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