quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O REI E O BARÍTONO



"Todos os Steinbrokens, de pais a filhos (como ele dissera a Afonso) eram bons barítonos e isso trouxera à família não poucos proveitos sociais. Pela voz cativara seu pai o velho rei Rudolfo III, que o fizera chefe das coudelarias, e o tinha noites inteiras nos seus quartos, ao piano, cantando salmos luteranos, corais escolares, sagas da Dalecarlia - enquanto o taciturno monarca cachimbava e bebia, até que,  saturado de emoção religiosa, saturado de cerveja preta, tombava do sofá, soluçando e babando-se."


"Os Maias" (Eça de Queirós)




A mistura do álcool com a religião no rei melómano (suponho que inventado por Eça) cheira ao vitríolo da "casa". Afastemos as nuvens da cerveja preta e o que fica não é digno do nome de religião.

Mas a sátira não tem só como objecto o que já era naquela altura  uma caricatura dos alemães, com o seu gosto pela bebida do malte e pelos enchidos de porco.

O autor do"Crime do Padre Amaro"  deve ser, evidentemente, salvo de qualquer acusação de atacar a religião, pois o o seu alvo, tanto na história de Amaro como na anedota do rei Rudolfo, é simplesmente a hipocrisia.

Mas como isso nos leva longe! Quando queremos purificar o sentimento "verdadeiramente" religioso e expurgar toda a embriaguez, temos de percorrer o catálogo não só dos álcoois, como o das euforias colectivas, e, mais difícil ainda, o dos nossos motivos secretos ( secretos até para nós mesmos).

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