"O
rapaz, Leonard Bast, mantinha-se no extremo da 'educação'. Não estava no
abismo, mas podia vê-lo, e, às vezes, pessoas que ele conhecia caíam nele e já
não contavam para nada. Sabia que era pobre e admitia-o até: preferia morrer a confessar qualquer inferioridade
em relação aos ricos. Isto podia ser esplêndido para si. Mas ele era inferior a
muitos ricos, não havia dúvidas sobre isso. Não era tão cortês como a média dos
ricos, nem tão inteligente, tão saudável, ou tão amável. (...) Se tivesse
vivido alguns séculos atrás nas coloridas civilizações do passado, teria um
estatuto definido, o seu nível e o seu rendimento teriam correspondido. Mas, no
seu tempo, o anjo da Democracia erguera-se, ensombrando as classes com asas coreáceas e proclamando: 'Todos os homens são iguais - todos os homens quer
dizer, que tenham um guarda-chuva', e por isso ele era obrigado a afirmar a sua
educação, para não deslizar no abismo em que nada conta, e onde as proclamações
da Democracia são inaudíveis."
"Howards End" (E.M. Forster)
A Democracia já não é a
"novidade" que era no século XIX e, por experiência, quase todos
sabem o que quer dizer a igualdade que promete.
Continuando a ser o pior dos regimes,
"excepto todos os outros", se pouco mais adiantou à igualdade na
questão dos guarda-chuvas, também acabou com os abismos da sociedade vitoriana.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde, nos últimos tempos, mais do que nunca se
escavou a desigualdade, acredita-se
"duro como ferro" que o "último dos homens" pode chegar a
presidente ou tornar-se um colosso da indústria (se bem que mais recentemente
seja mais plausível falar de finança e especulação bolsista do que em
indústria). Nada de abismos que o valor individual e a graça de Deus não possam
ultrapassar.
Por isso, já muito poucos têm a temer
a queda num abismo sem direito a voto e que não esteja debaixo das "asas coreáceas" a que se refere E.M.Foster.
Pensando bem, gente como o Leonard
Bast, pertencia ao tempo da boa consciência dos privilégios. Ele segurava-se às
ervas para não cair no abismo, para não deixar de ser "igual" aos
ricos.
Hoje, felizmente, temos menos areia
nos olhos, e os mais ricos sabem que, também para eles, a Democracia é o que
Churchill disse dela.
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