segunda-feira, 31 de outubro de 2011

DE AGULHAS E CAMELOS

(mzephotos.com)


 
"O 'dever' do homem é de tal maneira ser rico que a presença de um único pobre clama contra os céus, como a abominação de Sodoma, e despoja o próprio Deus, forçando-o a encarnar-se e a passear-se escandalosamente pela terra, vestido apenas dos farrapos das suas Profecias."


"Exégèse des Lieux-Communs” (Léon Bloy)




A passagem do Evangelho que reza que será mais fácil a um camelo passar pelo buraco duma agulha, do que a um rico entrar no Reino dos Céus, foi desde sempre mal interpretada, segundo Bloy, pois que a única exclusão foi a do camelo, refastelando-se os ricos no Paraíso, em cadeiras de oiro.

Tanta provocação tem razão de ser, porque o texto evangélico parece ter sido interpretado, em desfavor do camelo, por todos os ricos ao longo da história. Só isso pode explicar o fenómeno de tantos de entre eles se considerarem ainda cristãos.

A mito americano por excelência, o do "self-made man" ( e o que é que "makes the man", qual o critério do seu sucesso, naquele país, senão a riqueza?) fez precisamente a leitura do satirista.

Acontece que a ideia que pretendia que o enriquecimento de uns poucos não era feito à custa da maioria, ou, no fim de contas a beneficiava, através, por exemplo, da criação de empregos,  está hoje manifestamente posta em causa pelos novos métodos de enriquecer que já não exigem que o homem feito, mas apenas as características mais  predadoras, porque, esses, semeando à sua volta a destruição, já não contam com o futuro nos seus cálculos.

O rico moderado pela falsa interpretação do Evangelho é um homem de fé, comparado com esta espécie que se ri de todos os buracos de agulha e dos respectivos camelos.

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