"(...)
ele tinha passado sucessivamente por paralítico geral, paranóico, epiléptico,
ciclotímico, até este último processo em que dois médicos-legistas
particularmente conscienciosos, lhe tinham devolvido a saúde."
"O Homem
Sem Qualidades" (Robert Musil)
Assim, Moosbrugger pôde ser condenado
à morte pelo seu crime, sem mais dificuldades. Ulrich "sabia que o Estado, apesar de tudo, acabaria por matar
Moosbrugger, simplesmente porque é o método mais claro, mais seguro e o menos
custoso, se se tem em conta a imperfeição do mundo."
Tanta lucidez e tanta ironia são bem
características do escritor. Bem vistas as coisas, e o consenso sobre o que são certas doenças
mentais e quando deixam de o ser e o caso de haver ou não imputabilidade, sendo
raro e infundamentado, a máquina da
justiça ficaria, certamente, paralisada. O progresso da psicologia vai, assim,
a par dum aumento da casuística. Mas o Estado da Cacânia, onde se passa o
enredo, é ainda maravilhosamente
burocrático e o "nó górdio" pode ser "desatado" graças a
uma simples circular ou a um simples relatório médico.
Dou comigo a pensar que Portugal,
neste domínio da justiça, se tornou, também, cacânico. Mas aqui a burocracia
não vem em socorro da perplexidade dos juízes, e a justiça não tem que vestir. O seu prestígio foi arruinado
pelo espírito corporativo e pela mudança dos costumes. A novos ritos
corresponde uma nova religião.
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