sábado, 11 de junho de 2011

ESTUPOR E ESTREMECIMENTO



Alain Corneau, o celebrado autor de "Tous les matins du monde", que deu a conhecer a muitos de nós a música de Sainte-Colombe e de Marin Marais (século XVII), em 2003, adaptou o romance autobiográfico da belga Amélie Nothomb que, nascida no Japão, ali viveu os primeiros cinco anos da sua vida  e que, adulta, regressa para trabalhar durante um ano na empresa Yumimoto.  "Stupeur et Tremblements" é, ao mesmo tempo, um "ajuste de contas" com o que, à falta de melhor definição, teremos de chamar de racismo nipónico e a reconciliação com o seu país natal, através da  identificação da bela Fubuki, a sua chefe e autora de todas as suas humilhações na empresa com uma amizade de infância.

O choque cultural é a causa do "calvário" de Amélie que, contratada como tradutora, acaba, por ordem de Fubuki, a limpar as latrinas.

Destaco duas cenas fabulosas dessa incompreensão "cardinal" (entre  o Ocidente e o Oriente):

A hierarquia pede a Amélie para servir os cafés numa reunião com clientes importantes. Ela sente-se no dever de ser polida e acompanha o serviço com algumas palavras em japonês. É um escândalo. Os japoneses não suportam que a estrangeira se pretenda integrar e comparar com eles (o chefe dá a entender que é também um problema  de "segurança");

Segunda cena: Fubuki é repreendida por um dos seus superiores à frente de todos os colegas. Nem pensar em argumentar ou sequer "abrir a boca". Gestos de contrição e submissão são o indicado na circunstância. Fubuki, terrivelmente humilhada, mas com perfeito controle das emoções refugia-se na casa de banho para   deixar correr as lágrimas. Amélie comete o gravíssimo erro de entrar nesse refúgio para lhe dar o seu conforto e solidariedade. É corrida pela sua chefe, e um dos seus poucos amigos na empresa, Tenshi, explica-lhe que com o seu gesto acabou por retirar a Fubuki o seu último resíduo de dignidade, por tê-la visto chorar, depois da pública humilhação.

O título do filme inspira-se na atitude que era esperada nas audiências do imperador, que foi considerado, até 1947, um deus vivo. Esse é o topo da hierarquia. Por aí abaixo o poder sagrado é distribuído por grandes e pequenos chefes, como a nossa belga pôde verificar antes de contar a experiência num livro (Grande Prémio do romance da Academia Francesa).

Uma das ideias feitas que não resiste a esta obra tão original é a de que a flexibilidade é indispensável ao sucesso das empresas. No Japão, a eficiência não parece sofrer com uma organização fortemente hierárquica e com a mais pesada burocracia "asiática".

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