Alain Corneau, o celebrado autor de
"Tous les matins du monde",
que deu a conhecer a muitos de nós a música de Sainte-Colombe e de Marin Marais
(século XVII), em 2003, adaptou o romance autobiográfico da belga Amélie
Nothomb que, nascida no Japão, ali viveu os primeiros cinco anos da sua
vida e que, adulta, regressa para
trabalhar durante um ano na empresa Yumimoto.
"Stupeur et Tremblements"
é, ao mesmo tempo, um "ajuste de contas" com o que, à falta de melhor
definição, teremos de chamar de racismo nipónico e a reconciliação com o seu
país natal, através da identificação da
bela Fubuki, a sua chefe e autora de todas as suas humilhações na empresa com
uma amizade de infância.
O choque cultural é a causa do
"calvário" de Amélie que, contratada como tradutora, acaba, por ordem
de Fubuki, a limpar as latrinas.
Destaco duas cenas fabulosas dessa
incompreensão "cardinal" (entre
o Ocidente e o Oriente):
A hierarquia pede a Amélie para servir
os cafés numa reunião com clientes importantes. Ela sente-se no dever de ser
polida e acompanha o serviço com algumas palavras em japonês. É um escândalo.
Os japoneses não suportam que a estrangeira se pretenda integrar e comparar com
eles (o chefe dá a entender que é também um problema de "segurança");
Segunda cena: Fubuki é repreendida por
um dos seus superiores à frente de todos os colegas. Nem pensar em argumentar
ou sequer "abrir a boca". Gestos de contrição e submissão são o
indicado na circunstância. Fubuki, terrivelmente humilhada, mas com perfeito
controle das emoções refugia-se na casa de banho para deixar correr as lágrimas. Amélie comete o
gravíssimo erro de entrar nesse refúgio para lhe dar o seu conforto e
solidariedade. É corrida pela sua chefe, e um dos seus poucos amigos na
empresa, Tenshi, explica-lhe que com o seu gesto acabou por retirar a Fubuki o
seu último resíduo de dignidade, por tê-la visto chorar, depois da pública
humilhação.
O título do filme inspira-se na
atitude que era esperada nas audiências do imperador, que foi considerado, até
1947, um deus vivo. Esse é o topo da hierarquia. Por aí abaixo o poder sagrado
é distribuído por grandes e pequenos chefes, como a nossa belga pôde verificar
antes de contar a experiência num livro (Grande Prémio do romance da Academia
Francesa).
Uma das ideias feitas que não resiste
a esta obra tão original é a de que a flexibilidade é indispensável ao sucesso
das empresas. No Japão, a eficiência não parece sofrer com uma organização
fortemente hierárquica e com a mais pesada burocracia "asiática".
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