sexta-feira, 3 de junho de 2011

A DOUTRINA DO CHOQUE



“Isto é uma tragédia. É também uma oportunidade para reformar radicalmente o sistema educativo.”

(Milton Friedman, a propósito dos estragos causados pelo furacão Katrina, citado por Naomi Klein in “The Shock Doctrine”)



Em vez de se gastarem biliões de dólares na reconstrução do sistema de escolas público, em Nova Orleães, Friedman propôs a entrega de “vouchers” às famílias para escolherem a escola que “quisessem”. Em resultado desta política que George Bush apadrinhou, as escolas tipo “charter” (como os voos low cost) passaram de 7 para 31 e das 123 escolas públicas existentes ficaram apenas 4.  Muitos Afro-Americanos “viram estas medidas como um meio de reverter os ganhos do movimento pelos direitos cívicos.” (ibidem)

Claro que se pode perguntar se isto é forçosamente mau para o sistema educativo, apesar do aumento da desigualdade social, da redução dos salários que se seguiu e da apropriação privada dos terrenos, mas que esta é uma tendência anti-democrática não podem restar dúvidas.

Friedman, eleito por Naomi Klein, como o doutrinador do que ela chama de capitalismo do desastre, compreendeu que o seu programa radical não podia ser aplicado num país livre por ofender os interesses da maioria e os seus direitos civis. Os enormes sacrifícios humanos impostos no Chile e na Argentina com a implementação das ideias da “Escola de Chicago” não foram o verdadeiro teste da doutrina, por se tratarem de ditaduras (embora a pretensão de que o mercado desregulado era sinónimo de mais liberdade sofresse uma cabal refutação).

Daí, o papel das crises (guerra, bancarrota dos estados, desastres naturais, etc.) para a terraplanagem necessária nas sociedades livres. As mudanças, segundo Friedman, deviam ser “rápidas e irreversíveis”, como se viu no “laboratório” de Nova  Orleães, com a “oportunidade” criada pelo Katrina e como se está a ver agora com a insolvência de alguns países europeus.

É interessante a analogia que se pode estabelecer com as veleidades autoritárias dos que queriam suspender a democracia por seis meses. Mas, melhor ainda, com as práticas do arqui-inimigo, entretanto passado à história: o poder soviético. No fundo, este capitalismo serve-se das crises (que na melhor das lógicas ele mesmo pode provocar, como no caso da guerra do Iraque) para impor o seu dogma “económico” ( mas na verdade, anti-democrático no seu princípio ), tal como Lenine e os seus se serviram da crise do czarismo e  da guerra russo-japonesa para fazerem triunfar a revolução bolchevique.

A democracia decididamente não é coisa fácil e muito menos coisa segura.

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