domingo, 10 de outubro de 2010

O FILME DO DESASSOSSEGO

"O Filme do Desassossego" (2010, João Botelho)



Talvez que o “Livro do Desassossego” não seja, de facto, infilmável. A voz off poderia ser uma solução, e é, com a representação do acto de escrever, quando se logra melhor efeito. Porque se é a personagem a “escrever em voz alta” ou a tentar exprimir aquilo que escreve temos quase sempre a imagem de um louco. Estamos muitas vezes em pleno hospício mental e incomoda-nos que a liberdade do poeta tenha aquela tradução, digamos, literal. Deixamos de perceber o que a vida pela escrita é, e apenas temos diante de nós um miserável falhanço da vida.

O filme é longo, por vezes é um massacre, como aquelas duas excrescências que são, dentro do filme, ópera filmada, o menos pessoana possível. Também nada estão ali a fazer as “cenas sociais”, que o poeta, que não era “romancista russo”, nunca abordava, sem dúvida, por achar que vivia na língua portuguesa. 

Cláudio da Silva é uma grande promessa como actor, e se nos dá um Bernardo Soares esquizofrénico, a culpa não é sua.

Godard poderia ter  feito uma colagem com os fragmentos do “Livro do Desassossego”, fazendo colidir as imagens e as cenas com o discurso solipsista. Seria, de qualquer maneira, mais fácil do que filmar a metafísica de “Moby Dick” que John Huston tentou com o fracasso que se sabe.

2 comentários:

Anónimo disse...

Perdoe o meu excesso mas a "esquizofrenia" de Bernardo Soares não me parece despropositada, como não me pareceria em qualquer dos heterónimos de Pessoa, numa tentativa deste género sobre a obra.
As cenas de "vida social" entendia-as como uma metáfora que sugere o "sub--mundo" do heterónimo.
Quanto à ópera de Carrapatoso confesso que o libretto me é estranho e também não entendi a motivação.
O filme tem imagens de grande beleza.

Maria Helena

José Ames disse...

A poesia de Pessoa não é mórbida, é poesia. É o filme que a traduz em esquizofrenia. É certo que para evitá-lo não se podia representar o que ela diz, que parece muitas vezes mórbido e negativista.
"Traduttore, traditore".