quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A VONTADE DE PODER

Friedrich Nietzsche (1844/1900)



“É esta procura do êxito profissional que se tomou por uma vontade de poder; fez-se ao capitalismo a honra de lhe imputar esta vontade. É demasiada honra, porque os construtores de impérios são a excepção, na economia, como na política; mas a ‘vontade de poder’ nem por isso deixa de se referir a três verdades, inadequadamente, é certo. O capitalismo pode parecer irracional, pelo facto de ser autónomo em relação às necessidades e porque é mais complicado do que o desejo; a empresa desenvolve-se por ela mesma e a sua política é tão complexa como a dos Estados; não consiste em acumular o máximo de dinheiro possível: as amizades dos negócios ou a imagem de marca contam também. E depois, os ‘managers’ gostam de dar ordens aos seus subordinados, como toda a gente ou quase; nessa ordem de ideias, cada escritório, paróquia, universidade ou kolkhoze teria à sua frente um herói nietzscheano.”



“Le Pain et le Cirque” (Paul Veyne)



Se não dermos à ideia de sistema mais valor do que ela merece (de facto, é tão abstracta que se poderia aplicar a uma infinidade de coisas, desde uma colónia de térmitas à distribuição do plâncton nos oceanos), teremos de nos interessar pelas ideias e os sentimentos que movem os indivíduos tanto quanto pelos obstáculos e oportunidades que encontram entre os quais avulta a necessidade por eles criada como resultado dos seus movimentos e interacções..

O gosto quase universal de mandar não precisa de ser provado, nem o gosto de fazer bem seja o que for a que metamos mãos à obra. Não há diferença entre montar um motor e dirigir uma empresa, a não ser a complexidade que trazem as pessoas. Mas a própria dificuldade torna a procura do êxito muito mais interessante do que o dinheiro, porque se o amor de si próprio (que não se confunde com o egoísmo) é a coisa mais natural do mundo, as dificuldades vencidas são a melhor recompensa. O capitalismo é mais um exemplo de como a racionalidade que se aplica àquilo que se faz não é garante de se ter razão, nem de funcionar, a outro nível, como irracionalidade.

O capitalismo entregue a si próprio não é regulado por nenhuma Providência, e tal como a selva pode tornar-se inabitável, seguindo apenas o seu próprio desenvolvimento. Não precisamos de nenhuma essência capitalista para explicar os comportamentos gananciosos. Eles são tão naturais como os colmilhos no jacaré.

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