quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O INCONSCIENTE DO FOGO

Gaston Bachelard (1884/1962)



“O doutor Jean-Pierre Fabre expõe deste modo, em 1636, o nascimento das fêmeas e dos machos: ‘Duas partículas de semente, unívocas e semelhantes em todas as suas partes e de similar temperamento, separam-se na matriz, e uma retira-se para o lado direito e a outra para o lado esquerdo; e só esta divisão da semente lhes causa uma diferença tal, não somente na forma e na figura, mas até no sexo, que uma será macho e a outra fêmea. A partícula da semente que se tenha retirado para o lado direito, sendo esta a parte do corpo mais cálida e vigorosa, terá aumentado a força e o vigor e o calor da semente de onde sairá um macho, e a outra parte, por se ter retirado para o lado esquerdo, que é a parte mais fria do corpo humano, terá recebido as qualidades frias, que diminuem e minguam o vigor da semente, e dali sairá a fêmea que, apesar disso, era totalmente macho na sua fonte primeira.”
“La Psychanalyse du Feu” (Gaston Bachelard)


Bachelard atribui a vacuidade destas afirmações a uma “valorização intempestiva dos fenómenos subjectivos atribuídos ao fogo”. Ainda hoje o fogo aparece na linguagem numa série de metáforas significando virilidade, vigor, paixão, apesar do estudo do nosso metabolismo e do nosso sistema hormonal ter posto à nossa disposição uma descrição mais científica que enferma, no entanto, de nulidade simbólica e não “prende” no nosso inconsciente.

Alguns séculos antes de Freud, Fabre encontrou uma explicação para os sexos fundada nas diferenças de temperatura e na distinção espacial entre o direito e o esquerdo, explicação que nos parece por de mais ingénua, se não tivermos em conta que, à época, o primeiro dos filósofos modernos ainda podia falar em “espíritos-animais” e em glândula pineal para figurar a união do corpo e do espírito.

No fim de contas, Bachelard psicanalisa uma análise apenas um pouco mais ingénua, e que não dispunha ainda do aparelho do inconsciente.

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