quarta-feira, 27 de outubro de 2010

ILUMINAÇÕES


"Viagem ao centro da terra"



“Desde o começo, Proust confronta esta memória involuntária com a voluntária que se encontra à disposição do intelecto. Esta relação é esclarecida nas primeiras páginas da grande obra. Na reflexão em que o dito termo é introduzido, Proust fala da pobreza com que à sua recordação se havia oferecido durante muitos anos a cidade de Combray, na qual apesar disso tinha passado uma parte da sua infância. Até que o gosto da madalena (um biscoito), ao qual volta amiúde, o transportasse uma tarde aos antigos tempos, Proust tinha-se limitado ao que lhe proporcionava uma memória disposta a responder à chamada de atenção. Essa é a memória voluntária, a recordação voluntária, da qual se pode dizer que as informações que nos proporciona sobre o passado não conservam nada deste. ‘O mesmo vale para o nosso passado. Em vão tentamos reevocá-lo; todos os esforços do nosso intelecto são inúteis’. Pelo que Proust não vacila em afirmar como conclusão que o passado se acha ‘fora do nosso alcance, em qualquer objecto material (ou na sensação que tal objecto provoca em nós), que ignoramos qual possa ser. Que encontremos este objecto antes de morrer ou que não o encontremos nunca, depende unicamente da sorte.’”

“Baudelaire”  (Walter Benjamin)


E qual é a importância de recuperarmos esse passado que o nosso cérebro  “considera” desnecessário ao ponto de o esconder de nós? A menos que vejamos nisso uma intenção que nos desafiaria a reviver o passado, mais pelo prazer dos encontros do que pela repetição impossível da experiência, resta-nos considerar que a “escolha” do nosso cérebro foi acertada, deixando-nos uma espécie de índice do passado, mas nada do passado em si.

A “Recherche” que foi mais longe do que qualquer tratado de psicologia é, sobretudo, grande literatura e as iluminações do narrador são como a descoberta das lâmpadas Ruhmkorff na “Viagem ao centro da terra” de Júlio Verne.

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