"Viagem ao centro da terra" |
“Desde o começo, Proust confronta esta memória
involuntária com a voluntária que se encontra à disposição do intelecto. Esta
relação é esclarecida nas primeiras páginas da grande obra. Na reflexão em que
o dito termo é introduzido, Proust fala da pobreza com que à sua recordação se
havia oferecido durante muitos anos a cidade de Combray, na qual apesar disso
tinha passado uma parte da sua infância. Até que o gosto da madalena (um
biscoito), ao qual volta amiúde, o transportasse uma tarde aos antigos tempos,
Proust tinha-se limitado ao que lhe proporcionava uma memória disposta a
responder à chamada de atenção. Essa é a memória voluntária, a recordação
voluntária, da qual se pode dizer que as informações que nos proporciona sobre
o passado não conservam nada deste. ‘O mesmo vale para o nosso passado. Em vão
tentamos reevocá-lo; todos os esforços do nosso intelecto são inúteis’. Pelo
que Proust não vacila em afirmar como conclusão que o passado se acha ‘fora do
nosso alcance, em qualquer objecto material (ou na sensação que tal objecto
provoca em nós), que ignoramos qual possa ser. Que encontremos este objecto
antes de morrer ou que não o encontremos nunca, depende unicamente da sorte.’”
“Baudelaire” (Walter Benjamin)
E qual é a importância
de recuperarmos esse passado que o nosso cérebro “considera” desnecessário ao ponto de o
esconder de nós? A menos que vejamos nisso uma intenção que nos desafiaria a
reviver o passado, mais pelo prazer dos encontros do que pela repetição
impossível da experiência, resta-nos considerar que a “escolha” do nosso
cérebro foi acertada, deixando-nos uma espécie de índice do passado, mas nada
do passado em si.
A “Recherche”
que foi mais longe do que qualquer tratado de psicologia é, sobretudo, grande literatura
e as iluminações do narrador são como a descoberta das lâmpadas Ruhmkorff na “Viagem
ao centro da terra” de Júlio Verne.
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