domingo, 31 de outubro de 2010

A RAZÃO FERIDA




“Sob o aspecto teórico, não nos aproximamos minimamente da convicção da existência de Deus, da existência do soberano bem e da perspectiva de uma vida futura pelos mais estrénuos esforços da razão, pois não nos é dado conhecimento algum da natureza dos objectos supra-sensíveis. Sob o aspecto prático, porém, nós próprios formamos estes objectos, da mesma maneira que julgamos que as nossas ideias são favoráveis ao fim último que, por ser moralmente necessário, pode muito bem suscitar a ilusão de tomar por conhecimento da existência do objecto adequada a esta forma o que, do ponto de vista subjectivo, a saber, para o uso da liberdade do homem, tem realidade, porque se exibiu em acções da experiência que são conformes às leis de tal liberdade.”

“Os Progressos da Metafísica” (Immanuel Kant)


Uma estrela que só pode ser objecto do nosso cálculo (como, por um tempo, o foi o planeta Neptuno) e que os nossos sentidos, por mais potente que seja o telescópio, não alcançam, não é um objecto supra-sensível no sentido kantiano. Tal estrela é como a projecção dum sistema físico que podemos verificar.

Kant não diz que aqueles objectos são apenas ideias e que só existem pela razão, além disso, pressupõe uma harmonia entre o universo e a nossa razão, pelo que a sua filosofia é ainda teológica.

Pelo contrário, no outro díptico, o da razão prática, Kant toma o partido de voltar a colocar a razão apeada pela primeira Crítica no seu pedestal, como pressuposto da liberdade humana. Aqui não importam as certezas, mas as realidades, sejam elas as da ilusão humana.

Deus regressa, não sob a forma de verdade absoluta, mas de experiência subjectiva. E sob essa forma, a sua realidade já pode ser objecto duma convicção que não se distingue da fé.

0 comentários: