“Jean-Pierre Cèbe assinala-me amavelmente uma anedota que se situa em 211: nos jogos apolinários, o povo assiste a uma representação cénica em que aparece um mimo; anunciam a chegada do inimigo. A multidão corre às armas, volta depois do alerta e encontra o mimo ainda em cena continuando a dançar ao som do flautista; ‘tudo está salvo’, diz a multidão desembaraçada do escrúpulo ritual (religio) que lhe teria causado uma interrupção dos jogos, e a frase tornou-se proverbial. Os homens estavam ausentes e seguramente pouco dispostos a divertir-se, mas os deuses tiveram pelo menos a sua parte.”
“Le Pain et le Cirque” (Paul
Veyne)
Os deuses
divertem-se, mas os homens fazem mais qualquer coisa: “solenizam a alegria colectiva, que é preciso realmente solenizar porque
tudo o que é colectivo e por pouco organizado que seja, como uma festa, tem necessidade
de algum cerimonial.” A matéria desse cerimonial é tirada da religião que
por isso está “presente em todo o lado na
vida pública e privada”.
O exemplo do
mimo a representar para uma sala vazia não seria concebível nos dias de hoje. É
a prova de que os deuses estavam vivos e o espectáculo não estava perdido.
Mas para quem
emitem os nossos ecrãs acesos em tanta sala vazia? Há pessoas que não conseguem
passar sem essa luz artificial e sem esse fundo sonoro paranóico. A televisão
não é produzida para deuses e homens, mas tornou-se ela própria uma espécie de
ídolo. Ou não? Será que os nossos aparelhos de som e imagem nos fazem comungar
de algum ritual colectivo e que a tecnologia vai mais longe que o simplesmente
lúdico, mesmo quando pensamos que apenas nos diverte?
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