sábado, 7 de fevereiro de 2009

A MÚSICA ATERRADORA




"Eu não tinha assistido, pessoalmente, ao começo do incêndio do Palácio da Justiça, mas tinha sabido disso, antes de ver as chamas, pela mudança de tom da massa. As pessoas gritavam umas às outras o que se tinha passado, mas eu não compreendia, eram expressões de alegria, sem violência, nem voracidade, as expressões da libertação. O fogo criava a coesão: sentia-se o fogo, a sua presença era esmagadora e, mesmo onde ele não se podia ver, estava na cabeça de todos: a sua força de atracção e a da massa eram uma e a mesma coisa."

"Le Flambeau dans l'oreille" (Elias Canetti)


Canetti descreve os acontecimentos de 15 de Julho de 1927, em Viena, donde resultou a morte de 90 pessoas, abatidas pela polícia. Acontecimentos que deram lugar a trinta anos de tentativas goradas para os explicar e que a obra "Masse et Puissance" resume, porque "nada é mais misterioso, mais incompreensível do que a massa."

Era "o vago, e não os seus detalhes" que era preciso compreender. O autor compara o fenómeno à música, uma música empolgante que nos transporta, mas uma música aterradora. Será essa experiência que os adeptos vão procurar, sem o saberem, aos estádios ou os fiéis aos grandes rallies religiosos? E poder-se-á falar em sentimento ou em pensamento comum?

Deverá a sociedade proteger-se desses estados de precipitação da massa (que "não precisa dum Führer" para se formarem, ao contrário do que muitas vezes se pensa), encontrando-lhe exutórios para os conter, controlar e canalizar?

Entre o entusiasmo colectivo e o estado de massa haverá, talvez, apenas uma diferença de grau, mas o suficiente para fusionar toda a estrutura social.

Canetti admirava-se, quando a maré desceu, que a cidade ainda existisse.

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