"O príncipe Miuchkine desconcerta. Ninguém se priva de reconhecer, na sua falta de jeito, o doente ou o ingénuo que não sabe de que terra é. Apesar disso, a sua simples presença desencadeia revelações e explicações em cascata, 'nada tinha acontecido e no entanto tudo se passava como se qualquer coisa de muito importante tivesse acontecido'. Uma embriaguez é contagiosa, a moral não menos do que a alcoólica."
"La Bêtise" (André Glucksmann)
O príncipe é, evidentemente, a personagem de "O Idiota", de Dostoievski.
Toda a bondade que transparece ao longo do romance se encontra desfigurada por aquele título. Mas não sabemos se essa é apenas a imagem que os homens ditos normais têm duma pessoa que se aproxima da santidade. De qualquer modo, Glucksmann não parece ver qualquer ironia no emprego da palavra pelo autor russo.
A candura (ou a estupidez) de Miuchkine tem o condão de transformar a tensão de cada um consigo próprio numa venturosa aquiescência. Não é que a inteligência seja metida "debaixo do alqueire", mas antes uma completa ausência de vaidade, incluindo a da inteligência: "(...) quantas coisas belas não vemos a cada passo, cuja beleza o homem mais degradado não pode deixar de sentir? Olhai as crianças, olhai a aurora do Criador, olhai a erva que cresce, olhai os olhos que vos contemplam e que vos amam."
Que fenómeno desarmante é o que se observa nas pessoas influenciadas pela presença do "Idiota"?
Miuchkine não é um optimista por ideologia como Candide. Ele vê, realmente, a Criação.
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