sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A LIBERDADE DO RISO



"Segundo todas as indicações, Hitler foi um soldado empenhado, mais do que simplesmente consciencioso e cumpridor do seu dever, e não lhe faltava coragem física. Os seus superiores tinham-no em alta estima. Os seus camaradas mais próximos, sobretudo os estafetas, respeitavam-no e parece até que gostavam dele, apesar de também os poder irritar e de ser, aos seus olhos, uma espécie de puzzle. A sua incapacidade de rir (sense of fun) tornava-o um alvo fácil para se meterem, de boa mente, com ele. 'Que tal se fôssemos à procura duma Mamsell?' sugeriu um dia um telefonista. 'Eu morria de vergonha se andasse atrás de sexo com uma rapariga francesa!' interjeitou Hitler, provocando uma onda de gargalhadas nos outros. 'Olha para o monge!' um disse. A resposta de Hitler foi: 'Não tendes nenhum sentido de honra germânica?'"

"Hubris" (Ian Kershaw)


Nesses tempos de jovem soldado, em campanha no norte de França, Hitler costumava isolar-se com o seu Schopenauer, habitado já pela ideia de ser uma criatura excepcional. Não sabia ainda qual viria a ser um dia a sua missão, depois de ter encontrado tantas dificuldades para ser o grande artista que almejara ser. Descobriu mais tarde, pelo efeitos nos outros, que "sabia falar". Não para um pequeno grupo, todavia. Fora feito, sim, para dar voz às "massas". Havia qualquer coisa na multidão que ele sabia captar (apesar da imagem de ferocidade, gostava de agradar). A fórmula, porém, não funcionava sem a predisposição das massas e isso era obra da conjuntura política e social. Sem o acordo não havia essa música sinistra. O efeito cómico em Chaplin, no "Grande Ditador", vem da separação dessas realidades complementares.

O que muitas vezes se tem dito sobre o sinal de perigo que representa o não se saber rir e a falta de sentido de humor confirma-se aqui exemplarmente. A dúvida, que pode evitar os passos em falso, é afugentada por um ego fanático e imperialista.

Alguma coisa de bom pode às vezes vir de um homem que se leva demasiado a sério, mas no caso do poder absoluto isso equivale ao desastre.

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