La destruction de Sodome et Gomorrhe (Peinture de John Martin 1832)
"É muitas vezes só por falta de espírito criador que não se vai suficientemente longe no sofrimento. E a realidade mais terrível, ao mesmo tempo que o sofrimento, dá-nos a alegria duma bela descoberta, porque ela não faz mais do que dar uma forma nova e clara àquilo que ruminamos há muito tempo sem nos apercebermos."
"Sodome et Gomorrhe" (Marcel Proust)
É quando o pequeno comboio está a entrar na estação de Parville que Albertine, aos olhos do narrador, se revela uma outra pessoa, como para um crente, uma pessoa de outra religião, visto que a verdade que transparece é de natureza sexual.
Momentos antes, Marcel tinha mentalmente decidido romper com o que começava a considerar "uma vida verdadeiramente estúpida". Albertine parecia um item visto e catalogado, e ele, simplesmente, não a amava. Mas gostaria de se libertar da promessa de casamento e daquele namoro, nesse momento, precisamente, em que os sentimentos dela pareciam genuínos, embora sem correspondência. Era a sua amiga Andreia que almejava agora anexar.
Mas é então que a confissão, quase negligente, das amizades sáficas de Albertine, isto é, do que podia pôr em causa a sinceridade do seu amor que o lança na maior das angústias, em plena terra incognita.
Se traduzirmos esta intriga na linguagem da inversão, adoptando aqui o método de Sainte-Beuve que Proust abominava, de explicar a obra pela biografia, temos de mudar o sexo de algumas personagens-chave. E o que se nos apresenta é a descrição de um narcisismo sui generis, que se revela menos dependente do espelho e da relação do próprio consigo mesmo, do que do amor dos outros, e até à angústia mais extrema, dum amor incondicional, como só existe um na terra.
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