quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O ÚLTIMO BILHETE

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"Nunca me inquieto com o dia de amanhã; sei por exemplo que em breve terei de deixar esta casa para um destino sobre o qual não tenho a menor ideia; e as finanças nunca estiveram pior, mas não me preocupo comigo: sei que "alguma coisa" se apresentará. Quando projectamos antecipadamente a nossa inquietação sobre todo o género de coisas por vir, impedimos que estas se desenvolvam organicamente. Tenho em mim uma imensa confiança. Não a certeza de ver a vida exterior correr bem para mim, mas a de continuar a aceitar a vida e a achá-la boa, mesmo nos piores momentos."

"Une vie bouleversée" (Etty Hillesum)


Alguns meses depois, Etty deixava-nos para sempre, com um bilhete atirado do comboio que a deportava para Auschwitz.

Este texto é uma variante do "Olhai os lírios do campo" (Mateus, 6:28) e a palavra aceitação é a chave para esta sabedoria. Mas ela aplica-se ao "destino", ao que nos coube em sorte, e não à política. O mesmo evangelho nos dá o exemplo na expulsão dos vendilhões do templo. O não é inseparável do sim. Se aceitamos, também rejeitamos.

O destino duma judia na Holanda de 1943 não tinha nada de pessoal. Etty soube conservar até ao fim a liberdade do espírito, impedindo o ódio de penetrar.

Sabemos pelas suas últimas mensagens que a morte próxima não a impediu de escrever no seu diário: "Tornamo-nos seres marcados pelo sofrimento, para toda a vida. E, no entanto, esta vida, na sua profundeza insondável é espantosamente boa."

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