Némesis (Alfred Rethel)
"Tal como no Inferno, não havia compaixão. Eles curvavam-se sobre os corpos estendidos e lançavam aos cães o despojo de caça a que estes tinham direito. Voltavam depois a acorrentar as feras, ao cabo de grandes esforços."
"Sobre as falésias de mármore" (Ernst Jünger)
A "canalha" trucidada pelos mastins neste primeiro embate nocturno no matagal do país simbólico ameaçado pela tropa do couteiro-mor, não tem espessura humana, e o leitor compraz-se na embriaguez duma violência que a defesa da liberdade parece reclamar.
É este mecanismo que transforma os idealistas em torcionários, porque os meios fazem o homem, qualquer que seja o lado da barricada em que se encontre.
Mas, com isto, que é da prudência dos povos, nada está ainda dito.
Na segunda guerra mundial, quem tinha razão: os pacifistas, entre os quais Émile Chartier, formados na experiência da guerra de 1914/1918, que viam heróis nas trincheiras de um lado e do outro e uma burocracia demente na retaguarda, aliada aos "fabricantes de canhões", ou os que, como Simone Weil, abandonaram o seu pacifismo inicial por entenderam que Hitler e o Estado moderno representavam uma outra lógica e que a própria noção de campo de batalha tinha perdido o sentido, que não havia mais heróis enganados, mas um jogo de engrenagens e uma ideologia assassina?
Foi, sem dúvida, por já se encontrarem no Inferno que os Aliados, sem qualquer necessidade militar, destruíram uma cidade como Dresde.
Mesmo sabendo que Hitler não era eterno, nem o seu Reich milenário, os cães de Jünger foram açulados, obrigando o couteiro-mor ao suicídio.
Não se pode "avaliar" os milhões de mortos que resultaram do conflito, nem no outro prato da balança a ideia de liberdade pode fazer o peso. O massacre não pode ser explicado pela defesa da liberdade. E só nos mitos da Antiguidade clássica encontremos algo à altura dos acontecimentos. Em Némesis, talvez, a deusa educada pelas Parcas, que castigava toda a desmesura.
0 comentários:
Enviar um comentário