O sofá de Freud na Bergasse, 19
"Receio muito já não estar em condições de assegurar a intendência nocturna -, mas atendendo à honra que me concede e ao reconhecimento que sinto por me terem permitido servir tantos anos as damas da família imperial..."
"O Romance do Genji" (Murasaki Shikibu)
A "intendência nocturna" de que fala o Prelado é a obrigação de permanecer, "separado da almofada do imperador por um painel divisório", "perto do local onde o seu senhor dormia, de modo a que este pudesse gozar da influência benéfica das suas preces durante o sono" (nota da tradução).
Note-se como é importante, neste ritual apotropaico, a proximidade do capelão da cabeça do imperador adormecido. Como se a eficácia da oração se perdesse alguns metros ao lado, pois é para ser ouvida.
E evoca imediatamente um outro ritual, moderno esse, do psicanalista sentado atrás do sofá em que o analisando "se confessa" e dá livre curso às suas associações mentais.
O sono do imperador de Heian pode ser perturbado pela "ira celestial" (por ter contribuído, voluntariamente ou não, para a desordem nos "reinos do céu e da terra"), que só pode ser afastada pela prece e pelos rituais.
A análise só produz os mesmos resultados se o paciente conseguir fazer sentido da sua incoerência interior, isto é, se puder racionalizar as tensões que ameaçam dividi-lo.
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