domingo, 17 de agosto de 2008

OS MORTOS


"O Inferno" de Dante


"Os mortos alimentam-se de juízos; os vivos de amor."

"Le Térritoire de l'Homme" (Elias Canetti)


Logo que uma pessoa morre, por muito íntima que tenha sido de nós, começa a separar-se do mundo dos erros e das faltas, dos compromissos e das indefinições que é o nosso mundo.

Se precisava de nós, ou nos tratava, às vezes, com indiferença, se nos apoiava ou nos contrariava, podia sempre permanecer igual a si mesma, pois, tal uma constelação de que não se podem contar as estrelas, a harmonização das formas era uma invenção de cada momento, e o amor deve ser parecido com isso, porque não soma o total de uma pessoa.

Com a passagem para o "outro mundo", que é o mundo dos outros, um homem já nada pode mudar na sua forma que dependa de si. E toda a benevolência ou mal-querer com que o podemos julgar a nós só diz respeito.

Os mortos dirigem, assim, a nossa vida (era a ideia de Comte) ao darem substância aos modelos que formamos com a nossa opinião sobre eles. E isto é uma espécie de tribunal, com balança e tudo. Emitimos juízos de que os mortos são o objecto e o pretexto e para criarmos assim a primeira ideia da justiça.

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