segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A FLAUTA MÁGICA



Manet ("Le joueur du fifre")


"Assim, o prosador é um homem que escolheu um certo modo de acção secundária que se poderia chamar acção de desvelamento. É portanto legítimo colocar-lhe esta segunda questão: que aspecto do mundo queres tu desvelar, que mudança queres trazer ao mundo por esse desvelamento? O escritor "engagé" sabe que a palavra é acção: ele sabe que desvelar é mudar e que só se pode desvelar projectando a mudança."

"Situations II" (Jean-Paul Sartre)


Era um tempo heróico esse em que se podia escrever à vista do "horizonte inultrapassável" do nosso tempo (o marxismo, na definição do próprio Sartre).

Poucos hoje terão a veleidade de pensar que a sua palavra é acção e projecto de mudança, porque para o ser de algum modo teria que ser afastado por qualquer tocador de flauta, como no conto de Andersen, o enxame inflacionário das palavras e das mensagens e a própria sociedade teria que deixar de ser "publicitária".

É curioso pensar que este conceito de desvelamento foi empregue por Heidegger a propósito da técnica. Segundo o "filósofo da Floresta Negra", a técnica é uma acção desveladora. O que se desvela é o mundo ou a natureza através das nossas construções e manipulações.

Portanto, o escritor "engagé", para Sartre, era uma espécie de técnico da Revolução, um ajudante da célebre parteira.

Mas isto evoca ainda a técnica socrática para descobrir a verdade. E surge-nos assim um fio condutor que explica também o Cristianismo. Fio condutor e linhas ocupadas com a mesma mensagem.

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